quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

O método alegórico nas pregações

O método alegórico nas pregações

Hoje li uma postagem em determinada rede social onde uma citada igreja é atacada por utilizar com freqüência o método alegórico, assim como os métodos que envolvem tipologias, simbologias, analogias e também a forma literal para desenvolver uma pregação à congregação com base no textos bíblicos.  Na postagem dizia-se assim:
“A (igreja em questão) tem sua própria interpretação da Bíblia, obedecendo a um modelo que a liderança criou. Eles chamam essa interpretação de “revelação” bíblica, como se fosse algo novo, divino, inspirado, especial. Mas não existe nada de especial nisso. O que eles fazem, muitas vezes, nada mais é do que a alegorizaçao das escrituras. O que é alegorizaçao? Alegorizar é procurar algum significado oculto no texto. É como se o sentido literal fosse apenas uma superfície de um terreno, que devemos escavar até encontrarmos outros significados, que muitas vezes estão dissociados do verdadeiro sentido. Essa era uma pratica comum entre os gregos antigos e que foi reconhecida como uma maneira errada de se entender a Bíblia”.

Bem, primeiro corrigi a pessoa que postou isso dizendo que determinada igreja não tem esse método (ou modelo) como único meio de interpretar a Bíblia e nem único modelo de pregação ou sermão. A generalização foi doentia e sem fundamento. Mas deixei minha opinão.
Na oportunidade que tive de entrar para a área acadêmica como mestrando em Filosofia e ter que manusear alguns textos filosóficos (clássicos), eu pude constatar que a ‘alegorização’ é um método, assim como outros, que alguns textos incitam por si próprios e vemos, de igual modo, na Bíblia alguns textos que incitam uma busca hermenêutica maior (mais profunda) tornando apto o uso de alguns métodos como alegoria, tipologia, analogia, simbolismo, exegese, etc. Assim como a própria Bíblia é repleta de textos que, na forma literal, você já tem a informação e a definição. Primeiro temos que definir o seguinte: no caso da citada igreja, vemos que o erro ali é a sistematização e o uso indiscriminado de um método no qual chamamos aqui "alegoria". Porém discordei quanto ao fato de afirmar que tal igreja usa apenas esse método, sendo que já ouvi ali muitas mensagens levadas à luz de outros métodos. Eu mesmo (por costume) faço o uso de métodos mais próximos possíveis do literal para não correr algum risco. Outro erro é dizer que tal alegoria, tipologia, etc. é "revelação" e está "além da letra". Isso pode ser realmente perigoso, embora eu creio que haja sim uma iluminação do Espírito Santo no uso e no manejo das Escrituras. Aliás, se afirmamos que ela é a Palavra de Deus, logo, Deus fala por intermédio de seu Espírito pela Bíblia (que é um livro de caráter profético, além de simplesmente histórico ou legalista). Portanto, alegoria é um método assim como tantos outros e sendo usado tendo em vista o contexto real daquilo que está sendo pregado, não pode oferecer malefício algum. O erro está exatamente na sistematização cega de símbolos, tipos e alegorias como certa vez foi elaborado pela igreja em questão. Mas, independente do erro da citada igreja, não se anula o fato de tais métodos serem úteis para a compreensão, para o ensino e a exposição de um sermão baseado em exemplos e situações selecionadas nos textos bíblicos.
A Bíblia como um livro que transcende o histórico e o literal, e também não se resume apenas num conjunto de "regras" e normas (pois aí configura o legalismo e fundamentalismo extremo) pode ser entendida tanto com métodos interpretativos diversos, como também pode ser 'iluminada' pelo Espírito Santo que tende a mostrar, iluminar, esclarecer ou revelar o projeto salvífico implícito nela, uma vez que cremos que ela, a Bíblia, é a Palavra de Deus. E quem é a Palavra de Deus? Jesus, o Verbo. Ele é (e deve ser) a única chave hermenêutica para o entendimento da Bíblia, pois ela testifica d´Ele. E se Cristo é vivo e a Bíblia revela o Cristo vivo e glorificado, logo ela é profética e deve ser, nessa perspectiva, discernida espiritualmente (isso não anula o fato de usarmos os métodos hermenêuticos presentes na qual a alegoria faz parte). Se Jesus e o projeto de redenção do pai estão implícitos na Bíblia, é o Espírito Santo na sua função mediadora quem pode (se darmos lugar) iluminar a mensagem bíblica de caráter profético. Em João 14, o Esp. Santo é tido como "O Consolador" (do grego 'parákletos') que significa exatamente "estar ao lado", "advogado", "intercessor". Logo, no mesmo contexto bíblico, João descreve conforme as Palavras de Cristo que esse Consolador "vos ensinará todas as coisas...". O verbo ensinar aparece ali como 'didatikos' cuja raiz gramatical está estreitamente ligada ao termo grego "dogmatizô" que pode ser traduzido por "doutrina". Sendo dessa forma e segundo esse horizonte hermenêutico, é o Esp. Santo quem revela e ensina a Igreja a praticar a sã doutrina. O que é a sã doutrina? Um conjunto sistematizado de regras e normas? Alguém poderia dizer qual foi a 'doutrina' que Jesus Cristo nos deixou de forma sistematizada? O fato é que Jesus não deixou um conjunto de regras, aliás, Ele veio cumprir toda a legalidade e proclamar a graça ao invés de instituir outra Lei. A doutrina cristã (ou as doutrinas cristãs) foram todas sistematizadas pelos apóstolos, inclusive, Paulo foi um grande ‘sistematizador’ da doutrina cristã. Tanto que, em Atos dos Apóstolos, a doutrina cristã é chamada de "doutrina dos apóstolos". Ali imperava, de fato, a operação do Espírito Santo na consolidação do projeto salvífico e nesse contexto é que as doutrinas foram surgidas. Logo, se há ainda hoje a operação do Esp. Santo, o batismo e o uso dos dons espirituais, a doutrina ainda é aperfeiçoada na perspectiva prática. Lógico que isso não significa dizer que o mesmo Espírito "revela" algo "novo", tampouco um "outro evangelho". Aí entra a importância dos métodos hermenêuticos na interpretação e da iluminação do Consolador Espírito Santo, pois a Bíblia é para o crente não uma "regra" de fé (no sentido legalista da palavra), mas sim "modelo” de fé e conduta, 'norteadora da igreja' e referência literária única e insubstituível.
Portanto nenhum aspecto pode vir como "algo novo" nem “algo a mais” se não tiver um embasamento bíblico (não falo do fundamentalismo). Toda 'revelação', assim como todo 'dom espiritual' no seio da igreja deve ter respaldo bíblico e nunca ultrapassar a sã doutrina de Cristo. Logo, usar métodos como alegorias, analogias, tipologias etc. para anunciar a verdade bíblica e a sã doutrina de Cristo (que se resume em: amor a Deus e ao próximo, proclamação do Reino e anúncio da vinda de cristo e do juízo divino) é totalmente saudável. Porém é saudável quando não há a deturpação do contexto bíblico e nem invenções fajutas corroboradas por alegorias dúbias. Mas, contudo, a própria Bíblia é repleta de alegorias a serem interpretadas, assim como tipologias e analogias diversas. O que dizer de Apocalipse? Interpretaremos tal livro de forma literal? Creremos então em dragões, cavalos voadores e bestas estranhas? Será que o livro de cantares está limitado apenas à mensagem conjugal de cunho extremamente íntimo? Será que se não lançarmos mão da analogia e das alegorias poderemos interpretar seguramente as profecias de Daniel? O que dizer das parábolas do Mestre? Porque o Cristo ensinava com símbolos? Porque curou três cegos de forma diferente? Qual era o ensinamento contido nesses atos? Seria ali um convite à reflexão ou uma incitação pela busca de algo ainda mais profundo, além ou oculto? O que o sangue nas vergas das portas queria nos ensinar? O que Paulo queria nos dizer quando afirmara que devemos correr como os que correm nos estádios em busca da “coroa”? Será que cada item da “armadura de Deus” (Efésios 6) tem algo a mais para nos oferecer? Essas são as perguntas que não podemos ignorar.

A religião cristã tem sua superioridade em evidência exatamente por ser a mais racional em relação às outras religiões. Existe, como escreveu Jean Ladrière em sua obra “A fé e o destino da razão”/ capítulo IV: “fé e racionalidade”, uma racionalidade na fé. Muitas vezes essa racionalidade não pode ser facilmente captada no imediato. As curas e os sinais operados por Cristo eram imediatos, mas ali o Mestre deixava algo oculto para a sua igreja desvendar tendo em mãos a chave da revelação (como aquela dada a Pedro quando teve uma revelação dos céus). Portanto, há a necessidade da iluminação espiritual.

Essa foi só uma contribuição singela aos irmãos e amigos. Paz a todos!!!

Gabriel Felipe M. Rocha
Graduado em História (licenciatura e bacharelado);
Pós graduado em Sociologia (lato sensu)/ Sociologia da Educação;
Bacharel em Teologia (ênfase em História da Igreja);

Mestrando em Filosofia (campo de estudo: Ética e Antropologia).

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