terça-feira, 29 de abril de 2014

IGREJA

Muitas pessoas sabem que a palavra portuguesa “eclesiástico” significa “ter a ver com a Igreja”. Poucas pessoas sabem que esta palavra vem da palavra grega ekklesia (ἐκκλησία), que significa “assembleia” ou “reunião”. Ainda menos pessoas sabem que, se dividirmos esta palavra, vemos que ela é formada de duas palavras menores: ek (ἐκ) e kaleo (καλέω) ou “fora” e “chamar”.

Neste sentido, o que estudiosos para fins de discussão teológica chamam a igreja cristã primitiva compartilhava seu formato básico com a sinagoga judaica contemporânea. É intrigante que em aramaico é também chamada “assembleia” - kenista (כניסתא).

É fato, porém, que no Novo Testamento, ekklesia (ἐκκλησία) é o termo mais frequentemente usado para se referir à igreja. Ele sugere que os primeiros seguidores de Jesus se viam como uma comunidade de um povo com um chamado especial e uma missão especial sobre a terra.

É provável que este termo “chamado para fora ou chamado adiante” evocasse a conexão com o livramento de Israel da escravidão egípcia. Também pode nos direcionar a um aspecto importante característico de muitas igrejas primitivas - muito mais do que apenas um santuário de oração, a ekklesia era um lugar para companheirismo, onde os crentes oravam, se edificavam, cantavam hinos, estudavam, cuidavam dos doentes e compartilhavam refeições. Mas, remete principalmente ao chamado de Jesus para ser Igreja no "Vinde após mim" e no "Ide". Portanto ser igreja é fazer valer o seu chamado para fora e não simplesmente "dentro". A Igreja hoje tem uma missão especial e efetivar o chamado de Cristo e ser igreja de forma autêntica é anunciar sua mensagem e proclamar a chegada de seu Reino. Primeiro, com a própria vida, logo, com palavras e atitudes.

Gabriel F. M. Rocha



Reflexões esparsas sobre o amor cristão

O lava pés e o bom samaritano - Reflexões esparsas sobre o amor cristão



"Senhor, tu lavas-me os pés a mim?" João 13:6

"
Qual, pois, destes três te parece ter sido o próximo daquele que caiu nas mãos dos salteadores?"
Lucas 10:36


Muito se fala sobre o amor dentro do cristianismo e realmente é algo que deve sempre ser falado , afinal esse é o núcleo de toda a proposta cristã. Queria fazer uma breve reflexão sobre esses dois versículos que coloquei no início desse texto.

Em relação ao primeiro versículo, ele nos remete a uma cena muito conhecida no cenário cristão que é a cena do lava pés. Neste episódio, Jesus, próximo à Páscoa, se propõe a lavar os pés dos seus discípulos antes de comer a refeição com eles, o que gera uma grande estranheza em todos. O primeiro versículo é uma fala de Pedro se colocando veementemente contra a proposta de Jesus no momento.
Logo após esse episódio, Jesus afirma que um dentre os discípulos o trairia, o que nos remete à simples ideia de que qualquer um a qualquer tempo pode nos ferir mesmo depois de termos feito o melhor que pudéssemos fazer.

Nem todo serviço gera uma obrigação de retribuição e talvez por isso a proposta do amor gratuito do Cristo. Mesmo lavando os pés de seus discípulos, os alimentando, os escolhendo, os transformando em pessoas de destaque nas regiões vizinhas, trazendo uma dignidade maior a eles,  ainda assim um dentre eles o trairia. Ou seja, a gratuidade do nosso amor nem sempre leva o outro a me retribuir pelo que fiz, mas isso em nada invalida o meu amor pelo outro.

Outro exemplo muito bom dessa proposta de amor gratuito do Cristo reside na parábola do bom samaritano que provavelmente todos já ouvimos em algum momento da nossa vida. A parábola do bom samaritano conta a história de um homem que estava caminhando por um determinado caminho quando é assaltado por um grupo que o machuca e o deixam semi-morto caído à beira da estrada. Passam por ele um levita, um sacerdote que não o ajudam, mas depois passa um samaritano que o ajuda  e cuida dele com todos os cuidados possíveis.

Algo interessante na parábola do bom samaritano é o fato de que o que gerou a parábola foi a pergunta de um doutor da lei . A pergunta era "o que farei para herdar a vida eterna" ? Pergunta simples, mas ao mesmo tempo complexa, que ao mesmo tempo revela uma dinâmica de preocupação com a lei por parte do doutor (a qual Jesus sacia ao mostrar que o que o doutor anda fazendo está realmente de acordo com a lei),  mas ao mesmo tempo revela uma dinâmica bastante infantil de encontrar uma resposta totalizante para toda a ação possível. O anseio de um caminho único por onde eu possa trilhar e ter a certeza de que por ali nenhum mal me tirará dele. Desejo infantil de onipotência. (Desejo esse que Jesus não sacia).

No final da parábola, Jesus pergunta ao seu interlocutor: "Quem foi o próximo daquele que foi ferido?" Pergunta bem estranha se notarmos que o que gerou a parábola foi a pergunta "O que farei para herdar a vida eterna?" Esperaria-se que se perguntasse quem foi o próximo para o samaritano e não para o ferido. O ferido não fez nada a não ser aceitar o amor proposto pelo samaritano.  Ao perguntar quem foi o próximo para o ferido, Jesus está mostrando que o amor ao próximo não consiste sempre em um "fazer  para o outro", mas inclui o "deixar que o outro faça algo por mim". Uma proposta onde o amor fosse sempre ativo daria ao doutor da lei a impressão de que a vida eterna é alcançada dentro da dinâmica da retribuição. No entanto, Jesus aponta para a dimensão da passividade do amor que deve ser recebido em alguns momentos da nossa vida. Amor como dom imerecido, do qual nada precisamos fazer para merecer, que  nos garante uma identidade enquanto humanos, que não visa retribuição. Amor que supera uma mera dimensão narcísica projetiva que me leva sempre a me amar no outro. O deixar o outro fazer algo por mim  permite que unamos amor e graça.

Esse exemplo de amor também é visto no episódio do lava pés que Jesus faz com seus discípulos antes do anúncio que um deles o trairia. Pedro se coloca veementemente contra a proposta de Jesus lhe lavar o pé, demonstrando dessa maneira esta dificuldade em "deixar o outro fazer algo por ele", e a resposta de Jesus remonta novamente a esta passividade exigida pelo amor. "Se eu não lhe lavar os pés, não tem parte comigo." Ou seja, "se não me deixar ser aquele que faça algo por ti, você será como alguém que quer apenas polarizar a relação me tornando sempre alguém abaixo de ti."

Para que amemos um ao outro a igualdade tem que estar pressuposta. Apenas dessa forma o próximo pode ser amado como a mim mesmo não meramente como projeção narcísica, mas para além dela.  Tomar o amor sempre como algo ativo não raras vezes me causa a ilusão de que posso estar no controle da situação, posso sempre ser aquele do qual os outros dependem sem nunca precisar depender de alguém e sabemos que o amor passa longe dessa dinâmica. Para isso basta lembrarmos que o grande ato de amor do Cristo foi uma entrega. Um ato que remete a um deixar-se.
 

No lava pés, Jesus nos demonstra a dimensão do amor que  faz pelo outro sem esperar nada em troca, ou melhor, que faz pelo outro mesmo sabendo que algum dos próximos poderia o trair em algum momento. É uma atividade visando o bem do próximo. Na parábola do bom samaritano, Jesus nos mostra que o amor também possui uma dimensão passiva, que é o fato de "deixar o outro fazer algo por mim", que me tira da tentação de estar sempre no controle da situação e me coloca como um igual diante do meu semelhante.

Ao unirmos esta duas dimensões do amor que Jesus nos coloca somos capaz de entender em que consiste o amor cristão. É um amor que não visa apenas a um "acúmulo de atos", mas visa uma dimensão passiva, que coloca o outro no centro da proposta, mas agora não apenas um outro a quem devo sempre ajudar, mas a um outro que me constitui como sujeito a partir do momento que me deixo ser amado por ele.


Texto de  Fabiano Veliq 


Acessem ‘Veliq Fil’: http://www.veliqs.blogspot.com.br/

quarta-feira, 23 de abril de 2014

O lugar da Experiência na vida cristã e o lugar das Escrituras na experiência cristã

O lugar da Experiência na vida cristã e o lugar das Escrituras na experiência cristã

Para ler o texto na íntegra, acessem: 

http://palavraserio.blogspot.com.br/2014/04/o-lugar-das-escrituras-na-experiencia_13.html

Bom dia, irmãos, amigos e colegas de estudos bíblicos!

Certa vez entrei num embate com meu amigo pr. David Cristiano a respeito de “doutrina” e “experiência”. Ele, com muito mais propriedade dizia que primeiro vem a doutrina, logo a experiência. Eu, já relutante e com menos experiência, dizia que era o contrário, ou seja, primeiro a experiência, logo a doutrina. Mas com humildade, mudo de posição em relação a isso.

Estudando mais a fundo a Palavra do Criador, reformulo meu pensamento, aceito a ideia de que primeiro nos vem a Palavra e a doutrina e depois a Experiência e reafirmo isso no exemplo de Lucas 24: 13 ao 32 (Os dois discípulos no caminho de Emaús). Creio ser um bom exemplo.

Sobre experiência e Escritura é interessante notar que: No exemplo dos dois discípulos no caminho de Emaús, o que aconteceu ali? Andavam tristes e dispersos; desacreditados e esquecidos em relação a Palavra antes dita pelo próprio Mestre. Então, ambos precisavam de avivamento espiritual, a Palavra foi esquecida em seus corações. O que Cristo fez? Apareceu e se revelou de uma vez? Deu-lhes experiência de imediato? Não! Antes abriu as Escrituras com eles e começou a falar dela e ali a Palavra escrita foi vivificada quando acataram a revelação do Cristo glorificado. Primeiro aprendizado: avivamento espiritual só se dá pela Palavra. Avivamento é renovo de vida e a Palavra viva e eficaz tem esse poder. A fé vem pelo ouvir e ouvir a Palavra de Deus. Isso basta!

Depois sim, veio a experiência.

Portanto, o que aprendemos com isso? Segundo aprendizado: 

Aprendemos que Deus dá sim experiências maravilhosas para seus escolhidos e servos. Sinais acompanham os que crêem, certo? No entanto, Ele nos leva primeiro à Palavra, ao entendimento das Escrituras. Um coração inclinado para as Escrituras e que procura entender a mesma está apto para obter experiências. Pense comigo: se a fé (que salva) vem pelo OUVIR e ouvir a Palavra de Deus, logo esse deve ser o primeiro estágio na vida do crente que, logo, terá momentos de intimidade com o Deus vivo. (lembrando que “ouvir” [grego = akouo] significa também “obedecer”). Entendemos com isso o seguinte: 

1) A fé vem pelo ouvir (ou obedecer) a Palavra de Deus. Portanto, primeiro patamar na vida do crente.

2) Os sinais acompanham os que crêem = Ou seja, acompanham os que já crêem. O termo “crêem” está aplicado no original dando idéia de constância, de “fé em fé”. Logo, para esse segundo patamar, o primeiro teve que acontecer, a saber, a fé teve que vir primeiro pelo ouvir a Palavra de Deus.

3) Logo, primeiro vem a Palavra, a doutrina, as Escrituras (em seu caráter espiritual e profético), logo é que o crente pode provar das experiências com o Deus vivo.

4) Essa é fundamental para quem busca ter experiências: nenhuma experiência [ ou dom espiritual ] pode vir CONTRA a Palavra de Deus. Nada pode ultrapassar as Escrituras. Deus pode até aparecer para você na forma de um anjo ou coisa parecida, mas tudo deve ser observado e julgado pelos limites da Palavra da Verdade. Não podemos confundir experiências saudáveis com experimentalismos estranhos e sem sentido. O mundo neopentecostal já acusa os perigos desse laço diabólico.

Ah, mas por que Paulo foi diferente? Por que o mesmo viu Jesus primeiro e depois foi confirmar nas Escrituras? Motivo simples: Paulo era doutor nas Escrituras e conhecedor da "letra" (grego: 'gramma' = Lei/ escritos literais). Só faltava, então, a revelação de Cristo. Logo, então, Paulo teve sua experiência.

Reafirmando: primeiro vem o efeito das Escrituras na promoção da fé, logo, pela fé já existente no crente, Deus se revela e dá experiências.

Espero ter ficado claro.

Gabriel Felipe M. Rocha

segunda-feira, 21 de abril de 2014

CONCEITO DE “SÃ DOUTRINA”

Amados irmãos, amigos e verdadeiros estudantes das Escrituras, paz! 

Deixo mais uma vez uma análise minha (reformulada e em processo) e, como de costume, ficou um pouco grande. Mas para quem for corajoso e curioso vai ler com certeza. Concordando ou não, creio que a leitura está cativante. Esforcei-me para isso. Contudo, diante dos meus escritos que estão ainda em caráter experimental, digo que: nada além das Escrituras! Só a Palavra basta!

Boa leitura!

"O Conteúdo da heresia é a apostasia. Toda heresia tende a afastar o indivíduo de Deus. Jamais uma doutrina ou prática que leva o homem a Cristo e o reconcilia com Deus pode ser chamada de heresia, afinal, o Diabo não leva ninguém a Deus, apenas afasta"

“É uma verdade indubitável que toda doutrina que vem de Deus, conduz a Deus, e o que não vos tende a promover a santidade, não é de Deus”
(George Whitefield)

Parte do artigo de Gabriel Felipe M. Rocha.
(artigo em processo)

"CONCEITO DE “SÃ DOUTRINA”, E O CARÁTER ESPIRITUAL DAS ESCRITURAS 
(DOUTRINA/ DOGMA/ HERESIA)

“[...] Na própria Reforma Protestante, a obra redentora do Espírito foi testificada na História e o avivamento aconteceu cuja ênfase estava na supremacia da Palavra de Deus e na revelação de Cristo como fortaleza, na salvação pela graça e pela segurança da mesma em Cristo, em Jesus como verdadeira e única esperança para o crente e refúgio em Deus para todos mediante a fé por meio da graça. Ali havia um remanescente que estava de coração aberto para receber a Palavra de Deus e, a partir daí, a contínua obra redentora do Espírito Santo no seio da Igreja Fiel de Cristo  foi retomada de forma notória. Muitas igrejas se consolidaram nessa experiência com a Palavra e firmaram suas estacas na verdade bíblica. Igrejas ditas “protestantes históricas” ou tão somente “históricas” surgiram como oposição religiosa ao sistema religioso vigente. Mas não poderia ficar apenas nisso. O que foi conquistado no Pentecostes haveria de ser derramado sobre a Igreja que já guardava o grande tesouro (a Palavra de Deus) e, assim, coisas novas aconteceriam e muitos veriam e participariam do ministério de poder do Espírito Santo por meio do batismo espiritual e dons espirituais. Assim, o legado, a herança estava sendo mantida e repassada, até que os grandes avivamentos espirituais aconteceram onde o Evangelho transgrediu as fronteiras humanas, litúrgicas e históricas e chegou até mesmo a lugares inóspitos. A experiência do batismo com o Espírito Santo foi vivida e notificada, grandes avivamentos aconteciam e a principal característica desses avivamentos estava no desejo de cumprir a Palavra do Cristo e levar o Evangelho a toda criatura. Foi dada, então, a chave de Davi que ninguém fecharia.

Para muitos, porém, a sã doutrina se tornou um mandamento rigorosamente sistematizado e formalizado, um ritual ou uma liturgia sempre a ser observada, mas que não produz vida e nem frutos visíveis. O legado foi apenas histórico. Vivem alguns uma ortodoxia morta. Tem doutrina, mas não tem vida. A doutrina deve produzir e gerar vida. Pelo contrário é apenas ortodoxia morta. Pode-se fazer uma análise doutrinária de A a Z, mas toda essa ortodoxia é ineficaz e não há vida nela. Há muitas igrejas “históricas” neste país que estão morrendo por não viverem a experiência com a abundante benção do Espírito Santo. Continuam solenes (pela grande bagagem histórica e heróica do protestantismo), porém mortas. Não tem heresia, mas também não tem vida. Não tem heresia, mas também não tem amor, não tem heresia, mas também não tem evangelização aos pobres, não tem heresia, mas também não tem vibração por Deus, não há avivamento algum. São igrejas boas, porém sem vida de Deus. Deus é um Deus pessoal e ama o relacionamento com o homem no qual Ele escolheu para viver essa relação recíproca. E do mesmo modo, na outra extremidade, reforçando o que já foi dito, as aventuras do pentecostalismo moderno produzem crentes imaturos e distantes da verdade bíblica.

A relevância da presente análise está, também, na possibilidade de um maior esclarecimento em torno da questão “doutrina”. 

Dessa forma, tentaremos mostrar que a doutrina produz vida, pois a Palavra é viva. É boa e segura a liturgia tradicional e muitos devem rever os valores e se apegar aos ganhos da Reforma e voltar ao modelo tradicional de culto, de cultura, costume, etc., no entanto, não devemos abandonar ou recusar os valores do genuíno pentecostalismo, pois ambos na verdade podem convergir mais do que simplesmente divergir. 

O objetivo geral do presente artigo é pensar e definir o conceito de “doutrina” e seu caráter não só legalista ou normativo ou disciplinar, mas também seu caráter profético , embora, para isso, devemos fazer uma análise do termo “profético”, pois o termo tem recebido valores estranhos ao seu real significado dentro de algumas igrejas pentecostais, principalmente de segunda e terceira onda pentecostal ou, mais precisamente, no neopentecostalismo brasileiro. Temos como parte de nosso objetivo, o interesse de mostrar o que é doutrina para a Igreja de Jesus , sua transcendência e o seu valor espiritual, seu caráter prático e moral e também seu caráter profético e, nesse contexto, verificar a fundamental participação do Espírito Santo na consolidação doutrinária através dos tempos ante os riscos e tentativas diversas de agregação herética no contexto da sã doutrina de Cristo. Aliás, um dos maiores desafios da Igreja pela história foi a preservação da sã doutrina diante das tantas heresias que surgiam e tentavam ser introduzidas no seio da Igreja. Hoje esse desafio continua posto. Para ser específico, esse desafio não só continua posto, mas é ainda maior na atualidade diante das tantas ramificações ditas cristãs que crescem e se espalham pelo mundo, inclusive em nosso país. Aliás, esse fenômeno acontece fortemente aqui no Brasil e por isso existe a preocupação com a saúde espiritual dos crentes que aderem a esses movimentos. Precisamos, o quanto antes, voltar ao Evangelho, porém se esquecer que Evangelho é poder de Deus e poder de Deus, para nós, é obra exclusiva do Espírito Santo e implica uma total dependência da operação do mesmo. A característica central do livro de Atos (cujo livro é a referência principal para a missão e conduta da Igreja) é a total submissão à voz do Espírito Santo.

A Igreja de Jesus Cristo, percorrendo pela história, sofreu algumas alterações em relação ao seu formato original conhecido como “período apostólico” ou “Igreja Primitiva”. A Igreja ao longo da História foi perseguida, cresceu, institucionalizou-se, separou-se e ramificou-se. Vemos tão facilmente hoje essa ramificação. Nesse contexto histórico, a sã doutrina de Cristo se viu ameaçada ou simplesmente esquecida em algumas instituições. Em outros grupos, a sã doutrina recebeu itens a mais, conceitos extras que colocaram e colocam ainda em risco a verdadeira cristandade ou espiritualidade cristã por conta de valores extras ou alheios a ela. São várias igrejas ditas “evangélicas” que, somando com as mais tradicionais, temos, só no Brasil, cerca de 42.275.438 evangélicos . Segundo o Censo de 2010, a população evangélica do país representa 22,2% da população nacional, ou seja, 42,3 milhões de pessoas. Como está sendo elaborado o conceito de doutrina nessas tantas igrejas? 
Vemos principalmente nos grupos neopentecostais (ou pentecostais modernos) variedades de conceitos, experimentalismos estranhos às Escrituras, heresias, teologias frágeis à Palavra de Deus, ênfases em revelações e em manifestações espirituais, pragmatismo religioso, ostracismo religioso, desapego à leitura e ao estudo bíblico, ênfase ao subjetivismo e também ao corporativismo, denominacionalismo e sectarismo.

Diante de tantos conceitos e crenças que são ensinados, nos preocupamos aqui em trabalhar o conceito de “doutrina bíblica”, pois questionamos se, de fato, alguns ensinamentos e conceitos podem receber o coroamento de doutrina ou não. Não vamos nos prender aqui falando sistematicamente de cada doutrina cristã. Não! Mas apenas apontaremos para o núcleo doutrinário da fé cristã ou, para a base doutrinária da fé cristã que aqui chamaremos de forma genérica de “sã doutrina”. Tendo em vista essa referência e esse alicerce, mostraremos o que, junto com as doutrinas centrais e universalmente conhecidas e aceitas pela fé cristã, pode ser considerado “doutrina”, “dogma”, “disciplina ou prática cristã” e “heresia”. Tendo feita essa separação, poderemos abrir caminho para um diálogo sobre a unidade cristã em meio às diferenças denominacionais e como todas podem verificar a necessidade de voltarem ao Evangelho e ao verdadeiro avivamento sem abrir mão de alguns conceitos que podem ser sadios à fé e à sã doutrina ou, diante da verdade, abrirem mão de alguns conceitos que não estão em conformidade com a palavra de Deus e assim repensarem sua posição. Vamos aplicar aqui o termo “reformar” segundo essa perspectiva e não somente à adoção total dos valores religiosos e teológicos da Reforma Protestante, afirmando que a Reforma Protestante foi um importante e necessário marco para a História da Igreja, mas que a consolidação e o aperfeiçoamento da mesma não se resume entre as “quatro paredes” dos grupos reformados. [...]”

Doutrina e Dogma (conceitos)

Nas igrejas, recebemos ensinamentos muitas vezes sob forma de doutrina. Na maioria das congregações cristãs a base para o ensinamento é a Bíblia, dita a Palavra de Deus. Contudo é totalmente cabível o exame em torno daquilo que está sendo colocado como doutrina. Não é e nunca foi pecado examinar ou até mesmo questionar um ensinamento. Em algumas igrejas doutrina é facilmente confundida com usos, costumes, tradição, posições teológicas, liturgias eclesiásticas e ensinamentos extra-bíblicos.
Na concepção que presto a apresentar aqui, qualquer posição teológica, hermenêutica, tradicional que não está explícito ou evidente nas escrituras (Bíblia) não pode ser elevado ao nível de doutrina, mas sim dogma. A palavra dogma é, no meio protestante e evangélico, desconfortável, pois é facilmente associado aos credos apostólicos romanos e aos dogmas aceitos na instituição religiosa romana. Mas não é exatamente assim. Caso seja desconfortável ao ponto de fazer com que muitos se afastam da verdade, melhor que arrumem outro nome, mas não ensinem como doutrina aquilo que não é doutrina. O que a Bíblia diz que é de forma explícita e evidente, é, a não ser que não a temos como regra de fé. Mas aquilo que a Bíblia não ensina categoricamente que é, mas parece ser (mesmo estando conforme) não é. Está apenas no nível do pode ser. Logicamente, em várias igrejas, o que pode ser (no ponto de vista bíblico) é recebido como certo e como válido. Em alguns casos, práticas e ensinamentos que não estão evidentes e ensinados como tal na Bíblia, podem (mesmo não evidentes e claramente escritos) ser práticas sadias e até mesmo necessárias à vida cristã. Não me coloco a escrever essa pequena análise a fim de refutar “doutrinas” e nem defendê-las, mas sim separar aquilo que de fato é doutrina e o que de fato não pode ser chamado doutrina, mesmo sendo inofensiva à sã doutrina de Cristo e estando sendo usada e ensinada de forma sadia.

Necessário é separarmos isso colocando tudo a mercê do exame e estudo das escrituras bíblicas e, no caso conceptual dos dois termos (doutrina e dogma), necessário é um melhor estudo a respeito de seus significados etimológicos e culturais. Não vou fazer aqui um estudo exaustivo sobre esses termos, mas apenas vou expor alguns pontos que julgo importantes e necessários para separarmos de forma correta aquilo que estamos aprendendo como doutrina. Inclusive, insisto, não estou sugerindo com essa análise (simples) o uso do termo “dogma”, pois esse termo ganhou uma força cultural muito forte e, infelizmente, é relacionado aos pontos de fé da instituição religiosa apostólica romana. Embora, sabemos que não é bem assim. Em muitas igrejas (cristãs), alguns pontos ou práticas são vistas com a mesma característica. Um dogma, no campo filosófico, por exemplo, é uma crença ou “doutrina imposta” que não admite contestação. No campo religioso é uma verdade divina, revelada e acatada pelos fiéis. No caso específico da Igreja Católica, os dogmas surgem como interpretações das Escrituras e, sobretudo, da Tradição e autoridade da Igreja Católica. Para algumas igrejas cristãs de cunho protestante e evangélico, embora o termo “dogma” não seja usado (por não ser aceito), consiste da mesma característica que envolve a igreja romana. Pois são pontos teológicos, espirituais, revelações, entendimentos bíblicos a respeito de tal ponto, etc. que são facilmente acatados pelos fiéis e incontestáveis por serem, em algumas igrejas, revelações divinas. 

Creio na revelação divina e no constante aperfeiçoamento doutrinário (como obra exclusiva do Espírito Santo e não HUMANA). Mas tal revelação ou alcance bíblico (ou teológico) não pode ser chamado de doutrina, a não ser que alcance um nível universal. Ou seja, seja aceita e testificada na vida de todos os cristãos (que se espalham em denominações diferentes). Faço algumas perguntas reflexivas: se o Espírito Santo revela a um determinado grupo ou pessoa alguma prática espiritual ou até mesmo um ponto doutrinário de suma importância para a vida cristã e que não está em desacordo com a Palavra de Deus (sã doutrina) e esta se alinha a ela sendo pretensa vinda de Deus e, como tal, se faz sinônimo de vitória e condição indiscutível para ter de Deus a graça e a salvação, por que o mesmo Espírito Santo (o mesmo Deus) não tem o interesse de que ela se manifeste entre outros irmãos, uma vez que o Espírito Santo não é propriedade particular de uma denominação específica, mas opera aqui e ali conforme sua soberana vontade? Por que existem tantas denominações com variadas práticas diferentes? E por que é, para cada uma delas, fundamental aceitá-las e vivê-las a ponto de ir contra a vontade de Deus? Não vou dizer que tais práticas espirituais ou “doutrinas de uma igreja” excedem aquilo que a Bíblia diz se essas tantas práticas (reveladas ou não) estiverem levando o verdadeiro crente à santificação e uma vida cristã sadia e conforme os ensinamentos básicos de Cristo. Mas algumas, sem dúvidas, excedem e muito a sã doutrina e já entram num campo perigoso chamado de heresia e apostasia. Algumas posições teológicas ou práticas espirituais se enquadram no nocivo “outro evangelho”.

Portanto, qualquer ensinamento a respeito das escrituras que não estão evidentes não pode ser ensinado como doutrina, mas sim como “aspectos doutrinários”, “práticas espirituais”, “alcances inspirados das Escrituras”, etc. Caso seja ensinado que é irrevogável ou inquestionável por ser revelação de Deus, temos que esperar muitos outros grupos receberem de Deus também essa mesma revelação (pois o Espírito é o mesmo), mas enquanto a revelação divina estiver como exclusiva a um determinado grupo e não for ensinada, passada e aceita (pelo testificar do mesmo Espírito) a outros, ela pode, no máximo, ser considerada como uma prática espiritual da igreja em questão, mesmo como inúmeras experiências da membresia em torno dessa prática. Crer que Deus revela seus mistérios apenas a um grupo, é dizer que o Espírito Santo tem estado ausente nos outros grupos e isso não é verdade, além de ser puro sectarismo religioso. O que tem de ser feito? Tudo que está no nível de revelação divina, deve ser mais bem ensinado, separado e testificado entre os crentes, parte do Corpo de Cristo (que não representa uma só denominação religiosa), a Igreja de Deus. Feito isso na graça de Jesus, creio que muitos crentes em Deus testemunharão com suas próprias vidas a eficácia de cada aspecto doutrinário ensinado. Se for algo revelado então, Deus triunfará com sua sã doutrina e a obra redentora do Espírito Santo será vivida entre os verdadeiros crente em Jesus. Portanto, a prática espiritual ou entendimento a respeito de algo bíblico, deve se tornar universal para, enfim, receber o coroamento de doutrina. Esse “se tornar universal” não tem relação nenhuma com o “ecumenismo”. Não estamos falando de um ecumenismo, mas sim de uma doutrina sã e vivida por todos sem exclusividade religiosa e sectarismo. Vale lembrar que a obra do Espírito Santo no tempo da igreja primitiva foi testificada de forma geral pelo mesmo Espírito na vida dos crentes. Embora houvesse algumas discussões ali em torno de alguns pontos, o operar do Espírito Santo foi genuíno e as doutrinas foram estabelecidas de forma geral, ou seja, o mesmo Espírito Santo que batizava os crentes no ministério de Pedro, batizava e ensinava no distante ministério de Paulo. Eram ministérios diferentes, às vezes divergentes, mas confirmados pela sã doutrina que era sim algo revelado e novo para os que estavam ali. Paulo não recebeu nenhuma revelação divina exclusiva que o manteve separado das igrejas em Jerusalém, tanto é que Pedro, embora ministrasse para a circuncisão , recebeu a mesma revelação divina a respeito dos gentios como Paulo também recebera. Nisso vemos que a doutrina do Espírito Santo era clara e universal. 

Para uma revelação divina ou entendimento bíblico se tornar uma evidente doutrina bíblica, o sentido ou essência espiritual deve estar suficientemente manifesto na Palavra de Deus. Sabemos que a Palavra de Deus (Bíblia) enquanto conjunto de livros inspirados pode ser revelado pelo mesmo Espírito que a inspirou. Nesse contexto de “revelação”, podem surgir sim novos entendimentos, porém fincados na essência bíblica explícita, não ultrapassando a verdade de Cristo. Mas a doutrina será somente aquilo que está já evidente como tal. Exemplo: Se Jesus ou os apóstolos ensinaram e está devidamente registrado nas Escrituras, podemos chamar de DOUTRINA. Mas, fora disso, qualquer conceito doutrinário ou dogmático dado pela INTERPRETAÇÃO bíblica, tendo como base única os ensinamentos bíblicos e genuína aplicação bíblica, contextualizada e que agrega os valores da sã doutrina, tal conceito doutrinário NÃO PODE ser chamado de DOUTRINA, no entanto, não é simplesmente HERESIA, mas sim um DOGMA que não ultrapassa a sã doutrina de Cristo. Muitos entendem como “ultrapassar a doutrina de Cristo” algo que está simplesmente diferente do que está escrito e isso não é verdade. Temos que nos afastar também desse fundamentalismo bíblico e não ter a Escritura como “regra” (no sentido legalista) ou como um simples manual de conduta. Mas ela deve, além disso, produzir vida e bons frutos no crente e fazer o mesmo se achegar mais a Deus e não afastá-lo de Deus. Aliás, o que afasta é apostasia e apostasia é o conteúdo objetivo da heresia. Logo, se uma doutrina, um conceito doutrinário, prática ou dogma que leva o crente a Deus, expõe a graça de Deus e sua glória, diminui o homem e eleva a Cristo e entende a salvação em Cristo no sentido bíblico da mesma não pode ser chamada de heresia, pois ela não afasta, mas agrega. Se o Diabo é o mentor da heresia, logo ele quer afastar o crente de verdade. Se existe uma heresia que leva o crente a Deus, de que lado o Diabo está?

Para um estudo bíblico eficaz na defesa da fé cristã e da sã doutrina, precisamos ter um referencial único: JESUS CRISTO, a base, o fundamento referencial para qualquer edificação conceptual doutrinária e espiritual. O que ultrapassa o Evangelho de Jesus Cristo é já condenado pelas escrituras. Porém devemos lembrar aqui que muitas doutrinas consideradas universalmente “doutrinas bíblicas” não foram diretamente ensinadas pelos apóstolos e nem por Cristo, mas são frutos de interpretação bíblica (que talvez por fé poderemos chamar de inspiração bíblica). Mas, se aquilo que é ensinado, mesmo não podendo se elevar ao nível de doutrina ou “verdade cristã absoluta”, for ou estiver conforme os ensinamentos de Jesus Cristo, levando o verdadeiro cristão à santidade e a uma vida espiritual moldada segundo os parâmetros de Cristo, não poderá ser chamada de heresia ou engano. Da mesma forma, não poderá ser chamada de “doutrina bíblica” simplesmente pelo zelo em conservar a sã consciência cristã diante de Deus e do mundo. Como escreveu George Whitefield , “é uma verdade indubitável que toda doutrina que vem de Deus, conduz a Deus, e o que não vos tende a promover a santidade, não é de Deus”. Bem, vamos ao conceito-chave da palavra doutrina e da palavra dogma.

2.1 Diferenciando os termos: o que é doutrina? O que é dogma?

O termo doutrina pode ser cuidadosamente definido como o conjunto de princípios que servem de base a um sistema religioso, político, filosófico, militar, pedagógico, entre outros. Está sempre relacionado à disciplina, e a qualquer coisa que seja objeto de ensino. No campo religioso cristão é considerado (na maioria dos conceitos) como aquilo que se crê, ou seja, aquilo que está na revelação escrita ou oral cuja base é a Bíblia (os católicos romanos chamam de credo). Para a grande parte dos cristãos, principalmente para os protestantes, só pode ser chamado de doutrina aquilo que está explícito na Bíblia como tal. Citaremos exemplos.
Na Reforma Protestante, por exemplo, os pilares instituídos tiveram como base, segundo os pensadores da reforma, os pontos explícitos, evidentes e básicos da Bíblia para a fé cristã como a Sola Scriptura (Somente a Bíblia e toda a Bíblia como via única de fé); Solus Christus (Somente Cristo salva e intercede, garantindo ao crente o livre sacerdócio); Sola Gratia (Somente a Graça por meio da fé e não pelas obras); Sola Fide (Somente a Fé) e Soli Deo Gloria (Somente a Deus Glória). Esses pontos teológicos foram e são aceitos no meio protestante e evangélico como “doutrina” porque se tornaram conceitos universais apoiadas pelos textos bíblicos claros que respaldam todos esses pontos. Com essa instituição “doutrinária”, excluiu-se definitivamente a Tradição Apostólica que era de suma importância para a igreja apostólica romana. A Igreja Católica colocava a Tradição como equivalente na teoria, mas superior na prática. Mas a Reforma Protestante colocava a Bíblia como única “regra” de fé e instituía os cinco pilares não como conjunto doutrinário exaustivo, mas básico para a prática cristã. Nessa perspectiva histórica e cultural, o termo “doutrina” cujo principal significado é “ensinamento” ou “ordenança” (em muitos textos bíblicos à luz do original) ganhou força como: conceitos, preceitos e aspectos explícitos na Bíblia, ou seja, aquilo que não carece de um estudo extenuante para a sua afirmação. Exemplo: a doutrina “Deus” ou “Salvação através de Jesus Cristo” são aspectos bíblicos confirmados pela própria Bíblia, ou seja, a Bíblia ENSINA tais aspectos e por serem UNIVERSALMENTE aceitos, podem receber o coroamento de doutrina bíblica.

Se doutrina tem sua raiz bíblica (hebraico/grego) ligada à palavra “ensinamento”, tudo que a Bíblia explicitamente ensina pode ser considerado, com base no conceito geral, DOUTRINA ou “doutrina bíblica. Já, no nível de exemplo, o aspecto bíblico ou doutrinário conhecido comumente como “Trindade” não está explícito na Bíblia e, portanto, não é evidentemente ensinada, gerando assim outros conceitos bíblicos diferentes. A isso, chama-se, geralmente “dogma”. Embora venha soar estranho para nós, a “Trindade”, por exemplo, é um conceito dogmático e não doutrinal. Isso não interfere no valor conceptual e na qualidade espiritual dessa posição teológica inspirada que, para nós cristãos, é uma verdade bíblica e geralmente aceita como doutrina. Mas esses conceitos apresentados aqui estão na forma de pressupostos apenas e não afirmações, aliás, o presente artigo não tem a pretensão de afirmar nada, mas apenas expor conceitos. A separação entre doutrina e dogma geralmente é feita com base no entendimento religioso, cultural e tradicional e não etimológico. Etimologicamente, doutrina e dogma são conceitos semelhantes, aliás, a tradução da palavra “doutrina” para o grego é δόγμα (dogma) cujo significado está em torno de “ensinamento”, “preceitos”, “normas”, “conjunto de crenças”, “instituições normativas”, etc. Mas, para não basearmos somente em idéias comumente aceitas, vamos analisar à luz da etimologia e lexicologia. 

A idéia de doutrina, portanto, pode ser considerada aqui como: conjunto de princípios, ensinamentos, práticas, e conceitos explicitamente bíblicos, ou seja, evidentes e inquestionáveis no universo cristão como os exemplos citados anteriormente. A principal forma de propagação de uma doutrina ou de um conjunto doutrinário exaustivo é através do ensinamento.

Na segunda carta do apóstolo João, no verso nove, o termo doutrina (escrito em grego) contribui para essa tese. Vejamos:

“Todo aquele que prevarica (ou corrompe) e não persevera na doutrina de Cristo não tem a Deus” .

A palavra doutrina foi escrita na referida carta como “didachê” (termo do grego coiné). Esse termo expressa, muitas vezes, o ato de ensinar ou expor. Significa também o mesmo termo conhecido por nós – doutrina -, embora, em alguns textos, doutrina está no original como “dogma” (δόγμα), como vem acima. O significado básico de “dogma” é: "aquilo que aparenta; opinião ou crença”. Também pode ser definido por uma lei civil ou eclesiástica (uma imposição eclesiástica que pode ser doutrinária ou cultural) baseada em entendimentos congregacionais ou entendimentos de particular interpretação de uma doutrina bíblica ou um credo (no caso da igreja romana). A palavra dogma, por sua vez derivada do verbo δοκέω (dokeo) que significa "pensar, supor, imaginar", está comumente ligada a conceitos implícitos da Bíblia que, embora estando implícitos, podem ser considerados como “verdade a ser aceita” como no caso da “Trindade”. O termo “dogma”, analisado no original grego, é um termo ligado a “ordenanças de pessoas da nobreza” como reis, príncipes ou autoridades espirituais como sacerdotes e, no nosso caso, líderes eclesiásticos e apóstolos (os pais da Igreja). Nesse horizonte etimológico, poderíamos até dizer que uma doutrina extremamente e explicitamente bíblica também é dogma, pois é uma ordenança transmitida que irá passar primeiro no campo das idéias. Mas é preciso separar ambos os conceitos de forma didática e precisa, pois essas duas palavras, embora semelhantes em relação a suas raízes, tomaram, podemos dizer, rumos conceptuais diferentes. Portanto, para a nossa analise ficar mais bem entendida, vamos considerar o seguinte: DOUTRINA é aquilo que está posto de forma evidente e inquestionável (dentre os cristãos) na Bíblia e está afirmada por uma hermenêutica e exegese segura. DOGMA, portanto, é (na minha análise) um aspecto doutrinário ou, como quiserem conceitos e preceitos estabelecidos através de ideias e interpretações baseadas na DOUTRINA ou no conjunto de escritos bíblicos. O dogma é uma chancela de algo, seja da tradição, seja da particular interpretação com alguma coerência bíblica. O que não é coerente com a BASE doutrinária explícita não pode nem ser elevado ao conceito de dogma, mas, pela falta de total respaldo ou por ferir a essência, é já uma HERESIA. 

Muitas vezes o dogma caracteriza um grupo religioso do outro em suas interpretações e formas de julgar cada aspecto bíblico e doutrinário. Em um determinado grupo o “conceito dogmático” pode ser sadio e não ultrapassar a essência dos ensinamentos evidentes de Cristo ou podem ser simplesmente heréticos. Essas interpretações e formas de agir eclesiásticas, portanto, ganharam o nome de “dogmas”, mas se ultrapassam e transgridem a “sã doutrina” (a própria Bíblia como regra de fé) é configurada como heresia, daí, portanto, tal grupo religioso pratica a apostasia. 

Um exemplo clássico: Se um grupo religioso diz que Cristo salva, mas para ser salvo é preciso santidade além da graça soberana e por isso se abstém do mundo buscando uma santidade, tal grupo defende um dogma: “salvação condicional” ou eleição condicional. Pois esses conceitos não estão biblicamente explícitos (por isso é palco de uma longa discussão teológica entre calvinistas e arminianos). Mas se outro grupo diz que Cristo salva e Maria também salva, ultrapassam gravemente a sã doutrina configurando uma heresia pela falta extrema de evidencia bíblica ou por basearem-se apenas em uma tradição religiosa passada como “verdade a ser crida”, mas que fere a BASE que é Cristo, o único e suficiente salvador.

2.2 Separações didáticas entre doutrina, dogma e heresia

O que quero, de fato, já eliminar aqui é a idéia de que TODO aspecto doutrinário considerado “dogma” por não estarem explícitos na Bíblia como as demais doutrinas-base e evidentes são heréticos. Isso não é verdade. Existem muitas interpretações que, mesmo não podendo chegar ao nível de doutrina, não fogem da Verdade bíblica e não se afastam da base. Vou dar um exemplo: “Divindade de Jesus”. A bíblia, assim como no caso da “Trindade” não fala esclarecidamente “Jesus é Deus e ponto final”, mas dá variadas margens interpretativas que nos assegura tal conceito como uma verdade bíblica. Poderíamos dizer que “Divindade de Jesus” é um dogma respaldado hermeneuticamente pela Palavra de Deus, portanto está facilmente co-relacionada com “doutrina bíblica”. Embora muitos ainda não saibam essa questão doutrinária ganha interpretações erradas em alguns grupos como é no caso das Testemunhas de Jeová . As TJ crêem que Jesus não é Deus, indo na contramão da essência cristã. Sendo assim, esse mencionado grupo tem um “dogma” a respeito desse ponto bíblico, porém o “dogma”, como “interpretação particular” de um aspecto bíblico se torna heresia por ultrapassar e ferir a essência e o limite doutrinário que é a própria BASE (Jesus Cristo).

Não defendo, nessa análise, a veracidade de dogmas ou a validade dos mesmos, mas apenas analiso ambos os conceitos e verifico a periculosidade de um “dogma” ou de uma “doutrina” se tornarem heréticos por não estarem firmados ou respaldados na BASE (que é Cristo). Heresia, como já sabemos, é tudo aquilo que ultrapassa a sã doutrina e não é coerente com o projeto ou a obra redentora de Jesus Cristo, chegando ao ponto de até ferir a essência espiritual do Evangelho de Jesus Cristo. Podemos aceitar, como simples gráfico mental, que “dogma” é uma espécie de “ponte” que pode estar ligada à doutrina explicitamente bíblica se for coerente com o projeto divino ou não ferir os preceitos da obra redentora de Cristo. Por outro lado, como “ponte” pode levar o crente à heresia e apostasia se o aspecto doutrinário for errôneo e incoerente, ferindo a base e ultrapassando aquilo que é santo. Precisamos observar em nossas igrejas se o que é ensinado é verdadeiro e seguro em relação à sã doutrina e o projeto redentor e profético. Às vezes a essência e a veracidade da prática espiritual ou doutrina é deturpada por maus ensinamentos. Por exemplo: se digo que orar clamando o poder do sangue de Jesus é necessário em algumas orações específicas como a petição de um renovo, de um perdão, de uma comunhão, de uma acusação, etc. não estou de forma alguma indo contra os princípios bíblicos, afinal, dizer com ousadia e fé na minha oração (que é a minha conversa íntima com meu Criador) que há, de fato, poder no sangue de Jesus não configura nenhuma heresia por que existem margens nas Escrituras que podem sustentar minha saudável prática. Mas se ensino que é só dessa forma que se chega a Deus, ou é somente assim que Deus me ouve referindo-me ao dizer determinadas palavras ou frases na minha oração como condição de entrar no santo dos santos, valorizando mais a frase do que a sinceridade de minha oração estou ferindo a sã doutrina, pois coloco uma condicionalidade desnecessária, desvalorizando o sacrifício perfeito de Cristo. Daí posso passar facilmente da sadia prática espiritual para a heresia.

Para separarmos ainda mais claramente e didaticamente, vemos que o conceito ou aspecto doutrinário enquanto simples posição teológica, cultural ou idealística não pode elevar-se ao nível de doutrina. Já uma ordenança bíblica clara (que também pode ser traduzida como dogma) pode ser chamada doutrina, por ser explícita e proveniente do colégio apostólico ou do próprio Senhor Jesus. Uma revelação direta de Deus, por exemplo, pode ser considerada doutrina, se for respaldada pala Palavra de Deus e estiver amplamente firmada nas verdades bíblicas evidentes e for aceita universalmente. Sendo assim, as revelações divinas não podem vir como “algo a mais”. Posso citar aqui outra vez o exemplo do “clamor pelo sangue de Jesus”, uma prática espiritual muito utilizada em casos específicos em vários grupos e que na Igreja Cristã Maranata ganhou uma posição de doutrina ou supostamente “doutrina revelada”. Bem, prefiro manter uma posição cética e não vamos dedicar esse estudo em defesa de fé doutrinária e nem em refutação da mesma, mas sim em análise. A citada prática espiritual que, no meu entendimento, não ultrapassa o projeto redentor de Cristo e nem os seus ensinamentos não pode ser considerada herética, mas, por não ser usada e aceita de forma geral no meio protestante- evangélico, não pode ser considerada doutrina. Por ser proveniente de um aspecto doutrinário (o poder do sangue de Jesus que é bíblico), pode ser vista aqui como uma prática espiritual ou uma expressão de fé na oração ou um ato de exprimir a confiança, a liberdade e a ousadia de entrar no santuário pelo poder salvífico do sangue de Jesus, o ápice da Nova Aliança. A heresia, nesse exemplo citado, poderia configurar-se no ensinamento errôneo que citei anteriormente de que “só com esse tipo de oração, Deus nos ouvirá e nos aceitará”. 

A diferença básica entre os dois termos não é extrema. O primeiro termo (doutrina) demonstra como já vimos a prática ou o ato do ensinamento ou da exposição de uma idéia ou de um conjunto de idéias e também algo vindo direto de Deus com comprovações seguras e o segundo termo (dogma) expressa uma idéia colocada, interpretada ou sugerida, independente de um ensinamento ou não; traz a idéia de “preceitos externos”, enquanto doutrina dá a idéia de “conceitos já claramente estabelecidos”. Para o segundo termo (dogma), basta, às vezes, uma simplória exposição e a plena aceitação dos ouvintes em determinadas congregações. Mas, etimologicamente, doutrina e dogma sendo apresentadas a nós como conceitos diferentes, não se distanciam muito uma da outra a não ser no seu entendimento e uso comum. Um conceito posto ou sugerido no nível de dogma pode estar respaldado pela Palavra de Deus e pode não ultrapassar os limites doutrinários cuja principal referência é a Bíblia. Por exemplo: o conceito de salvação calvinista e arminiano que mencionei anteriormente. Ambos os conceitos podem ser considerados dogmas (pensamentos/idéias) cuja base bíblica é a doutrina da salvação (explícita). Inclusive, se uma só é a verdade, logo um dos dois conceitos está errado. Se está errado, logo é mentira. Se é mentira, logo é heresia e engano. Mas eu pergunto: crer que Deus elegeu de antemão alguns e que a graça é irresistível ou crer que Deus elegeu a todos e que temos livre participação nesse processo muda a essência da coisa? Nesse exemplo, o que de fato é necessário para se chegar a Deus e ser salvo? Simplesmente crer que a salvação vem de Deus (pela graça), e se concretiza mediante a fé no Cristo. Basta! Para o nosso entendimento, nesse caso, a salvação é explicitamente doutrina bíblica, porém as práticas do ensinamento de uma das duas correntes teológicas citadas estão no nível de dogma, uma vez que são idéias (de cunho bíblico) apresentadas como possíveis “verdades”. Mas, existem conceitos bíblicos passados no campo das idéias e interpretações que alcançam uma maior comprovação bíblica (hermeneuticamente e exegeticamente) sendo assim considerada doutrina bíblica como, por exemplo, um dos pilares da Reforma Protestante: Sola fide. Considera-se doutrinal no meio protestante a idéia de que a salvação é por meio da fé e a fé é um recurso proveniente da graça ou como quisermos, o único meio de graça, no entanto, vem de Deus para que ninguém se glorie .

O fato é que, popularmente, a idéia de dogma está de modo geral ligada à prática ou doutrina eclesiástica inquestionável ou herética. Mas “heresia” não define “dogma”. São conceitos diferentes. Não são termos ligados, mas são termos ligáveis como no exemplo dado anteriormente da “ponte”. Um dogma (conceito ou interpretação) totalmente fora da BASE e que fere a sã doutrina é heresia. Do contrário, um entendimento específico de um ponto bíblico estando em conformidade com a essência espiritual cristã não é. Sendo assim ambos são conceitos diferentes. Vou dar um exemplo simples: Se uma denominação entende que, para agradar a Cristo é necessário total desapego ao material e financeiro, não estão ferindo a essência, pois não transgridem a autoridade e a divindade de Cristo, antes buscam dessa forma a santificação baseados num interesse sincero e saudável. O que não pode acontecer é o fato desse grupo começar a pregar que “a salvação consiste em nosso esforço em nos abstermos” ou “Isso é o certo” ou que isso “foi revelado divinamente assim, portanto, quem não pratica dessa forma não alcança a graça de Cristo”. Daí configura-se um erro, uma heresia. 

Um conjunto de idéias descontextualizadas e errôneas pode estar no nível de dogma por serem idéias e entendimentos a respeito de algo e pode se tornar doutrina herética (não bíblica), mas jamais podem se tornar doutrina genuinamente bíblica, a não ser se tal idéia ou entendimento de algo estiver firmada e respaldada claramente na base que é Cristo, o Verbo vivo, a própria Palavra de Deus e se for aceita universalmente enquanto tal. O que importa é a base (Cristo). Ele é o centro de toda doutrina (ensinamento), por isso Ele foi categórico ao dizer que as Escrituras testificavam dele . Nessa perspectiva, Paulo escreveu a Tito o seguinte: “retendo firme a fiel palavra, que é CONFORME a doutrina...” . Ou seja, tudo, para receber o coroamento de ‘doutrina’ ou preceitos externos (dogmas ou conceitos válidos e sadios para a fé cristã), deve estar conforme a doutrina cujo significado é “ensinamento”. Ensinamento de quem? De Cristo. Ele é, portanto, a base, o nosso firme fundamento. Vamos entender mais sobre isso ao longo dessa análise [...]"

Continua...

Gabriel Felipe M. Rocha é graduado em História (licenciatura e bacharelado), pós graduado em Sociologia (lato sensu), bacharel em Teologia com ênfase em História da Igreja, tem artigos publicados e registrados nessa área, atualmente está mestrando em Filosofia cuja linha de pesquisa é Ética e Antropologia. Estudou Francês Instrumental na Faculdade de Filosofia e Teologia de Belo Horizonte.

quinta-feira, 17 de abril de 2014

Pêssach (a Páscoa)

Em algumas semanas será comemorado entre os judeus a Pêssach, a Páscoa judaica. 

Pêssach é a celebração da saída dos israelitas do Egito, como narrado no livro de Shemot (Êxodo) na Bíblia.

Os judeus não reconhecem automaticamente o significado da palavra "Páscoa". A explicação mais comum para o nome do feriado em hebraico, Pêssach, é que esta palavra quer dizer "passar por cima", uma referência a quando Deus "passou por cima" (u-passách) dos lares israelitas antes do Êxodo do Egito (Êxodo 12,23).

Mas você sabia que há outra explicação?

Esse radical também pode ser traduzido como ficar, no sentido de "proteger" o que faz muito mais sentido neste versículo: Deus protege os israelitas não permitindo que o destruidor entre em suas casas, fazendo alusão à proteção através do sangue dos animais, logo, por simbologia e profecia, fazendo alusão ao sangue poderoso do Cordeiro (Jesus Cristo) para a saída do povo de Deus do "Egito". Há, então, uma conotação de livramento da ira futura. Portanto, para os cristãos convictos de sua fé no Cristo, a verdadeira páscoa é a memorização do ato sacrificial de Jesus Cristo, dando ao cristão o direito de passar, sair, transcender sua contingência, etc. A páscoa foi instituída e orientada a ser observada continuamente. Cristo, instituindo o Novo Testamento, permitiu a mesma memorização, mas agora, do valor místico de seu Corpo e de seu sangue na vida da Igreja.

O verbo em questão aparece com este mesmo significado em 1 Reis 18,21 quando o profeta pergunta até quando ficarão com duas opiniões (pos'chim) e também em Isaías 31,5 onde Deus promete guardar Jerusalém, ficando nela (passôach).

Quando lemos a Bíblia no original em hebraico, descobrimos que duas palavras em textos diferentes possuem o mesmo radical e podemos entender o verdadeiro significado e a relação, antes inimaginável e perdida pelas traduções, que existe entre elas.


Gabriel Felipe M. Rocha

domingo, 13 de abril de 2014

O lugar das Escrituras na experiência cristã

Ficou grande, mas vale a pena ler:

Mente e coração aquecidos: 
O lugar das Escrituras na experiência cristã


A experiência cristã é fundamental, necessária e mede o quanto estamos vivendo realmente a graça de Deus. No entanto ela é submissa às Escrituras e deve ter o amparo e a tutoria da mesma.


Texto:
Lucas 24: 13 - 35, 44 - 53

Discernir a espiritualidade cristã do misticismo nem sempre é fácil. O rev. Augustus Nicodemos percebe que o misticismo está muito próximo à tendência dos teólogos liberais, pois ambos buscam uma “espiritualidade” sem a mediação das Escrituras. Assim, infere-se que entre o místico e o espiritual estão as Escrituras como base à experiência, e não o seu contrário.

Há sutis diferenças, por exemplo, em dizer que a Palavra de Deus é revelada e Deus continua falando sobrenaturalmente por ela (e as vezes podendo falar intimamente por um versículo ou um contexto) e em afirmar que se eu mergulhar sete vezes no rio Jordão serei curado ou se eu passar o óleo da Terra Santa eu receberei bênçãos sem medida ou se eu fizer uma arca conforme a Arca da Aliança do A.T. e guardar em minha casa serei abençoado como Obede Edom. Há uma diferença entre o misticismo bíblico e o misticismo não bíblico e a crença exotérica.
Assim, da mesma forma, há uma sutil diferença entre refletir em minhas orações sobre o valor do sangue de Jesus e a oração feita em sã consciência fazendo menção de seu recurso espiritual – que tem um conteúdo de fé dentro dos limites místicos bíblicos e dizer que Deus só me atende se eu usar determinada frase. Há diferenças. Mas o erro da segunda não anula a eficácia e a espiritualidade da primeira.

Não há dúvidas de que a Fé Cristã é em seu conteúdo mística. Pensemos, por exemplo, na ceia; o pão e o vinho não são o símbolo da fé no Salvador (Mc14. 22; Lc 22.19; 1Co 10.16; 11.27)?
O problema é que o homem se inclina a dar ao místico certa compreensão irracional; isto é, o “espiritualmente místico” se torna em místico-fenomênico. Deus pode ser tocado, visto, “cheirado”, pois se torna parte de uma realidade irracional da (im)compreensão da religião. E assim, a razão humana supera-se saltando de sua limitada capacidade de pensar Deus para o deus tangível, fruto de seus pensamentos (Gn 11.1ss; Rm. 1.23, 1Ts. 2.4). 
Ora, diz Augustus Nicodemus:

Creio que o misticismo bíblico – união com Cristo realizada na sua morte, vivida pelo Espírito, celebrada na Ceia e vivenciada pelo uso dos meios de graça – continua sendo o padrão para os cristãos. O que falta em muitos é a disposição para vivê-lo.
É esta espiritualidade sadia, mística, mas não exotérica, que as Escrituras nos evocam (Rm. 12.1,2; 1Co 14.15,19). Uma atitude corajosa de se agarrar à Palavra de Deus e balizar o mundo por Ela (Rm 1.8; Ef 3.9).

Assim, embora a ressurreição exija fé, exige também a compreensão da fé. E o projeto de Lucas neste evangelho se vê assim. Lucas faz um laborioso e inteligente relato. Trata-se de uma narrativa de estrutura ‘parabólica’, com alguns reflexos de diatribes (quiçá, herança paulina). A Ressurreição e a Revelação de Cristo aqui ganham a mesma configuração, aliás, a Ressurreição é a Revelação do Cristo Glorificado. Sob essa perspectiva, reconhecer a Revelação das Escrituras e seu contínuo desdobrar-se na iluminação dos textos bíblicos é reconhecer o Cristo glorificado. Só assim as Escrituras podem testificar do Cristo ao leitor de fé.
As narrativas acerca da ressurreição seguem uma estrutura que não permite a dicotomia entre Ressurreição e as Escrituras. Todavia, esta estrutura também aponta para o fato de que sem a Ressurreição as Escrituras não atingem o seu ápice lógico e profético; isto é, soteriológico (Mt 16.21; 26.54,56; At.17.3; Rm 16.26; 1Co 15.4).

O que concluímos com isso: sem a chave hermenêutica da ressurreição, do valor do sacrifício e da própria pessoa de Cristo, a Bíblia é apenas um conjunto de escritos históricos e com boas lições morais.

O fim principal desta dependência recíproca é a internalização de uma única verdade: Deus veio aos homens na Pessoa de seu Filho, a fim de conduzi-los a Ele perfeitamente aceitáveis (Ef.5:27; Col.2:10; 1Pe.2:5; Jd 24; Hb.9:24; 10.1). Isso configura o caráter profético das Escrituras, pois Cristo veio para chamar de volta o homem para Deus onde Ele próprio é o Caminho, a Verdade e, por conseqüência a nossa esperança de vida.

Veja como que esta Verdade se torna destituída de significado caso não existisse correspondência, dependência mútua entre Escritura e Ressurreição (ou Revelação) (1Co 15.14-17).
Lucas tira o foco de todas as aparições narradas nos outros evangelhos e o põe num só dia e lugar: Jerusalém. É desta cidade que os discípulos fogem e é para lá que devem voltar. Nela está o cenário do propósito redentor de Deus (Mt 2.1; 16.21; 20.18).
É de Jerusalém que os discípulos deverão partir corajosamente, a fim de pregar as boas novas. Mas antes, deverão entender esta mensagem ensinada pelo Senhor, cuja crucificação recebe o poder que se eleva à vergonha e horror da fé judaica (Lc 9.31; 24.47; At.1.4,8; 10.39). E é neste aspecto que Escrituras e as experiências advindas destas caminham juntas (Sl 119.9,11,25,50,133; Jo.17.17).

E é assim que a verdade resulta clara: a base de toda a experiência cristã deve ser as Escrituras (At.17:11; 2Tm.3:16).
Tal verdade pode ser diligentemente observada na exposição que Lucas faz acerca da conversação entre os dois discípulos a caminho de Emaús e o “ilustre Desconhecido”. É possível acompanharmos a cada passo neste caminho o modo como o “Desconhecido Caminhante” traz os “caminhantes” de volta à fé em Cristo, tão somente apontando e rememorando o que o Mestre havia dito acerca das Escrituras.

Da narrativa lucana pode-se extrair a implicação da Escritura na experiência dos discípulos. Tal implicação resulta significativamente na necessidade de tê-la pautando o nosso mudus vivendi da Fé Cristã. Vejamos, pois, pelo menos três delas:

A experiência cristã sem as Escrituras perde o significado (23,24,26-27)
As Escrituras só dão significado à realidade se estudada no seu todo e o seu todo tem como ápice a ressurreição (Lc 4.1ss; At 28.23; Rm 15.4; 2Tm 3.16).Logo, as chaves hermenêuticas fundamentais são: o Cristo, seu sangue derramado e seu triunfo sobre a morte efetivando a redenção humana.
Lucas tem vital interesse em apontar, narrativamente, “como Deus executa o seu plano em conformidade com o estabelecido na antiga promessa” (Lc1. 70). Vê-se frequentemente a expressão: “para que se cumprissem as Escrituras [...].” Jesus expõe a necessidade das Escrituras a citar desde Moisés aos profetas.
Kaiser nos lembra de que isto (a necessidade de ampliar o conhecimento dos homens quanto a Verdade do cumprimento das Escrituras em virtude da ignorância humana) ocorre frequentemente não só no Evangelho de Lucas, mas está por todo o livro de Atos dos Apóstolos [eg. At.26.22,23] (W. Kaiser, O Plano da Promessa de Deus, p. 339). 
Conforme Fabris e Maggioni,
Lucas se apressa em reler todos os particulares da crucificação e morte de Jesus através da grade dos textos bíblicos, em particular dos salmos [...], (e.g: Sl. 22.19; 69.22; 31.6; 38.12; 88.9).
Observemos que os dois discípulos de Lucas 24 conversam com o ‘Desconhecido Caminhante’ e dizem o que esperavam de Jesus: “Varão poderoso em palavras e obras, que iria libertar o seu povo [...].” Contudo, a exposição versa apenas parte das Escrituras. O sofrimento, a cruz, o pecado que o Messias tomaria sobre si, bem como a ressurreição, são ignorados (Mt 16.21; Lc 24.26,46; At 17.3)!

Esta perspectiva teológica das Escrituras não é totalmente suficiente para trazer a lume o significado da agradável sensação de ardume nos corações dos homens que ouvem o Estranho no caminho. O coração de Cléopas arde juntamente com a tristeza da morte de Jesus, confundindo as experiências às emoções e à realidade de uma teologia incorporada a um contexto de fé teo-político.

A literatura lucana é bela de significados (o que se observa sem o recurso de alegorias, mas que parece sempre querer dizer na mente do seu leitor mais do que se narra). Agostinho não resiste à provocação de Lucas e se rende: “O Mestre acompanha-os pelo caminho, Ele próprio é o Caminho; mas eles ainda não estão no verdadeiro Caminho.” Cristo estava vivo, mas os discípulos com a esperança morta. Que contraste entre a fé nas Escrituras e naquilo que se vive e vê!

Agostinho nos faz entender que, o Cristo que ressuscitou na tumba fria, deveria ressuscitar também nos corações cegos desses discípulos que não entendiam o plano divino. Têm a esperança assassinada por uma fé que espera alívio existencial nada além da sua concepção da vida (Rm 8.25; 1Co 15.19). Somente a compreensão das Escrituras preencheria de vida o coração desses homens (Pv 19.16; Jo 4.10; 6.55; 7.38; Rm 7.10).
Jesus durante o trajeto a Emaús expõe sabiamente a Escritura à altura do intelecto desses discípulos. Isto porque o Deus/Homem entra neste mundo apercebido de todas as mazelas humanas e sabe como ninguém utilizar-se da linguagem humana com o propósito de apontar, conscientizar e eliminar tais mazelas do coração humano (Rm. 8.3; Fl. 2.1ss; Hb 2.14-18; 4.15).
Ele sabe traduzir a linguagem do coração humano, bem como lê-la em amor (Jo 2.25; Hb 2.11): “O que é que vocês conversam?”, pergunta o Salvador aos homens que seguem incrédulos o caminho da ignorância da ressurreição.

Ora, o que se fala no “caminho” é aquilo que nos enche o coração; isto é, a realidade (Lc 6.45). As conversas do caminho buscam o consolo dentro de uma realidade que parece hostil à fé. O lugar da Ressurreição e das Escrituras é mostrar que a realidade é bem mais ampla para o Cristianismo do que para qualquer outra religião ou concepção de vida (Jo 11.25; Rm 8.31ss; Ef. 1.20; 2.6; Hb. 11.1ss).

O que se pode considerar como realidade nem sempre condiz com a verdade. A Verdade está além de uma concepção dita como real, haja vista que sempre nos enganamos. Deste modo, a Verdade, independentemente de meu juízo, existirá e há de se revelar (Jo 8.45; Gl 5.7; 2Tm 2.4; 1Jo 2.21; 2Co 13.8).
Morris acredita que os dois discípulos conversavam pelo caminho a fim de aliviar um pouco a tristeza. Procuravam na reciprocidade um pouco de consolo. Isto é notado no versículo 14 – “No caminho, conversavam (discurso) a respeito de tudo o que havia acontecido”; “Eles iam falando entre si e fazendo perguntas um ao outro”.

Todavia, a grande verdade é que nem sempre a troca de ideias ou experiências nos ajuda a entender a vida. Os discípulos precisavam entender o que havia dado errado bem como se agarrar ao pouco de esperança que nutriam conversando um com o outro. Estes homens deveriam aprender o modo como a Escritura auxilia o discípulo na esperança da ressurreição. Ela se tornará fundamental à incipiente comunidade da fé (Lc 20.36; At 24:15; Rm 6:5; 11:15). É nessa perspectiva que busca pela Verdade e do bem viver e do bem agir que a ação do Espírito Santo se fará norteadora e iluminadora, garantindo ao leitor a revelação da Palavra e, com isso, garantindo uma experiência sobrenatural com o Cristo vivo revelado pelas Escrituras.

Jesus torna as Escrituras significativas no caminho daqueles homens; isto é, no presente, na caminhada. Ela não é um escrito do passado. As Escrituras têm o seu cumprimento no hoje desses dois caminhantes errantes. É o passado se desdobrando sempre novo à frente das esperanças humanas (Sl 119.105; Is 40.8; 1Pe 1.23).

J. MacArthur declara que,
A pureza e a clareza da Bíblia produzem o benefício de “alumiar os olhos”. Ela provê iluminação no centro da escuridão moral, ética e espiritual. Ela revela o conhecimento de tudo que não pode ser realmente visto de outra forma (cf. Pv 6.23). A simples leitura sem a influência reveladora do Espírito Santo não promove vida. Portanto, há uma espécie de contínua revelação da palavra. Uma das razões essenciais de que a Palavra de Deus é suficiente para todas as necessidades espirituais humanas é que ela não deixa dúvidas a respeito da verdade essencial e, ao mesmo tempo, se desdobra na iluminação espiritual ao leitor que tem uma experiência com Deus.

A vida por si só já é confusa e caótica. Procurar a verdade fora da Bíblia só aumenta a confusão. Portanto, a experiência extra-bíblica é perigosa.

As Escrituras, em contraste com tudo isso, são muito claras (Pense biblicamente).

Jesus deve esclarecer aos discípulos o significado de todos os testemunhos que os dois discípulos ouviram. Tiveram várias evidências, mas o que são elas aos olhos que só se abrirão mediante o poder da Palavra? Observemos que a pedra estava removida, anjos foram vistos e ouvidos, mulheres testemunharam, Pedro viu o túmulo vazio. Por que não creram?
Fábris e Maggioni nos explicam que,
[...] a morte de Jesus já não é mais um incidente absurdo, mas o cumprimento de um projeto de salvação já revelado por Deus na Escritura. É esta interpretação teológica que torna a narração da morte não uma página de crônica macabra, mas o anúncio da salvação para os crentes (Os Ev. II, R. Fábris e B.Maggioni).
É este cumprimento veterotestamentário que foge à compreensão: não só dos dois discípulos a caminho de Emaús, mas de todos os discípulos até a ressurreição e a sua interpretação feita por Jesus (Mt. 26:31ss).

II- As Escrituras devem anteceder as experiências. Isso não significa que elas substituem as experiências, mas efetivam-nas.
Quando as Escrituras assumem o seu lugar, torna-se claro que a fé e a compreensão dos fatos bíblicos nos faz ver Cristo conosco, ainda que não o vejamos com os olhos físicos (2Tm 4.10,16-18). E esta aplicação é lúcida, pois,
Quando o Senhor começou a falar com eles, os discípulos ainda não tinham fé. Eles ainda não acreditavam na sua ressurreição; nem esperavam sequer que ele pudesse ressuscitar. Tinham perdido a fé; tinham perdido a esperança. Eram mortos que caminhavam com um vivo; caminhavam mortos, com a vida. A “vida caminhava com eles, mas em seus corações, a vida ainda não tinha sido renovada.” (Agostinho)

Jesus caminhou com os confusos e desiludidos discípulos cerca de onze quilômetros expondo-lhes as Escrituras.
Expor-lhes as Escrituras parece ter-lhe sido mais necessário no percurso do que a imediata revelação de sua ressurreição aos confusos companheiros de estrada. Não que isso fosse descartável, mas o ensinamento embutido nesse ato foi: a base de fé e de qualquer experiência espiritual é a Escritura. O que vier depois deve estar respaldado nela. Inclusive os próprios dons espirituais.
Só no final do percurso, já hóspede desses homens, Jesus se revela. Por qual razão? Porque é assim que Ele deve ser conhecido pelos homens: primeiro como cumprimento das Escrituras; depois, como aquele que se pode experimentar do prazer justificado por corações em brasas!

Portanto, para a Igreja do Senhor que já crê que Jesus é o cumprimento de toda Escritura, vale a experiência espiritual com Ele. Vale cear intimamente com Ele na congregação e fora dela.
Quando o coração ardia? Eles dizem: “Porventura não ardia em nós o nosso coração quando, pelo caminho, falava conosco e quando nos abria as Escrituras?” (24.32).
O coração desses discípulos ardia, mas por quê? O que significa um coração que arde com as Palavras que não lhes trazem entendimento? Somente toda a Escritura explanada traz sentido ao coração em brasas! É o que o Mestre procura fazer durante o caminho.

Há uma Revelação que progride ao longo do caminho, o que torna a Verdade de Deus mais clara. Cristo é a Revelação que se desdobra. A Bíblia nos oferece recursos e informações suficientes para a nossa salvação, mas Cristo quer se revelar e se desdobra, se mostra, revela-se ao crente pela ação do Espírito Santo.
Cristo lhes fala pelo caminho, isso conota constância. Logo, a Bíblia deve ser lida sob influência reveladora do Espírito Santo e isso conota também a experiência com o Cristo Revelado. Mas, contudo, a Escritura é a base, o primeiro plano, o referencial único.
Seus corações ardem ao ouvi-lo, mas eles só têm os olhos abertos no final do percurso. Jesus guarda-se de revelar a sua Pessoa a eles, por quê? Experiências a parte da exposição das Escrituras são “fogo de palha.” Toda experiência deve estar atrelada às Escrituras. Todo dom espiritual deve estar respaldado pelas Escrituras.

Parece-nos que, para Jesus, explicar aos discípulos as Escrituras era bem mais importante do que se revelar a estes. Ele compreende bem o paradoxo experimentado pelos discípulos no caminho: têm-se no caminho tanto as Escrituras quanto o seu cumprimento; isto é, o Cristo ressurreto. Mas tal paradoxo só é ‘compreendido’ mediante o coração que arde e a mente que absorve os ensinamentos de Deus.
Concordemos com Schroeder ao afirmar que,
Jesus havia querido, primeiramente, permanecer desconhecido para os discípulos a fim de instruí-los pelas Escrituras, antes de convencer-lhes por uma manifestação exterior, apropriada para impressionar seus sentidos (Comentario del Nuevo Testamento, L.Bonnet Y A. Schroeder).

A lógica é simples: uma vez passado o momento do alívio ou a memória da experiência, se exigirá outra que lhe satisfaça com maior vigor a carência causada pela primeira. E, neste momento, podemos nos perguntar se conseguiríamos trilhar o caminho da mudança da história, de acontecimentos contraditórios ou frustrações teológicas, amparados somente pela Escritura (2Co 11.4; Gl. 1.7,8)?
Àqueles que acreditam que as Escrituras devem a sua autenticidade às experiências (Lc 16.27-31), consideremos o que diz Lutero:

Fiz uma aliança com Deus: que Ele não me mande visões, nem sonhos, nem mesmo anjos. Estou satisfeito com o dom das Escrituras Sagradas, que me dão instrução abundante e tudo o que preciso conhecer tanto para esta vida quanto para o que há de vir.
Lógico que Lutero não estava dizendo ali que os dons espirituais e as experiências não são válidas e boas. São. Mas o que de fato deve nortear a Igreja são as Escrituras. O que vier em forma de dons espirituais e manifestações espirituais diversas devem ser mapeados pela Bíblia e pela verdade bíblica. Deus não se volta contra sua Palavra.

O fato de Jesus ter entendido ser urgência maior a sua exposição das Escrituras antes de sua manifestação aos discípulos de Emaús estabelece, não só o valor, mas também a sua experiência particular na meditação dos Escritos Sagrados.
Otto Borchert diz algo interessante sobre o relacionamento de Jesus com as Escrituras em seu ministério:

Ouvimos falar muito daqueles anos da Sua vida dos quais temos mais notícias, mas nunca ouvimos falar que ele usou essas horas de solidão para ler. O seu estudo da Escritura, portanto, deve ter precedido a Sua vida de ação, mas nos anos de semeadura e combates, Ele viveu essencialmente do que havia adquirido, tirando-o do tesouro da Sua memória. [...] Jesus encontrava Deus na Bíblia, a cada vez que a lia entrava em comunhão viva com Seu Pai (O Jesus histórico, p. 176,177).

Os discípulos colocaram a experiência à frente da Escritura: viram com seus olhos a Cristo, mas não o conheceram. Isto porque nem sempre o Cristo da experiência é o Cristo da Ressurreição.
Todavia, veja como o Senhor os trata e se relaciona com esses. Cristo segue perguntando, conversando, observando que estão tristes e se importando com a sua fé. Esses discípulos deverão entender o que significam as palavras de seu Mestre, ouvidas e pregadas durante três anos (Mt 26.55; Jo 14.9).
Que experiência no caminho! Que sentido faz a vida pautada pelas Escrituras! E que sentido faz um coração bater de emoção se no final a Verdade está sepultada?

O Rev. Valdir Oliveira, sobre esta passagem, aconselha àqueles que se frustraram no caminho a não colocarem a esperança naquilo que Deus não prometeu em sua Palavra. Isto por que Cléopas e o outro discípulo evitaram as palavras da morte e ressurreição de Jesus dando maior importância à vitória do Messias somente numa esfera político-teocrática (9.21,22; 24.21).
A esperança desses discípulos no Cristo projetado por seus anseios, e não nas palavras do Mestre, causou-lhes a decepção natural de quem costuma hiatizar a fé da razão.

J. MacArthur afirma incisivamente que
A falta de saída para os difíceis problemas da vida não é o resultado de inadequação das Escrituras; é o resultado da inadequação das pessoas no estudo e aplicação da Palavra. Se as pessoas amassem a Palavra de Deus como deveriam, ninguém jamais questionaria a suficiência da Bíblia (Pense biblicamente).
III-Somente nas Escrituras descobrimos de fato, quem é Jesus (21,25)

“Fica conosco senhor”, pedem os discípulos. Ele já estava, mas os olhos nada entendem sem o amparo das Escrituras (Mt 28.20; Jo 14.16,26; 16.7).

Se não se mostrasse, como é que os discípulos poderiam ouvir a sua pergunta e responder-lhe? Caminha com eles e parece segui-los, mas é Ele quem os conduz. Veem-no, mas não o reconhecem, “porque os seus olhos, diz o texto, estavam impedidos de O reconhecer... A ausência do Senhor não é uma ausência. Crê somente e Aquele que não vês estará contigo.” (Agostinho)
Jesus apresenta-lhes todo o conteúdo sagrado; isto é, Deus está no controle e o túmulo vazio está repleto de significado e história (Mt 25.34; Ef 1.4; Hb 9.26; Ap 5.12; 13.8). Uma vez aberto os olhos, Cléopas e o outro discípulo voltam a Jerusalém. Não é isto que significa ressurreição? Volver a Jerusalém, onde toda a história dos homens encontra o seu significado (Rm 11.36)?

De fato, conhecer o Cristo ressurreto das Escrituras é apaixonar-se (2Co 5.14; Fl 3.7,8). É querer que ele esteja sempre ao alcance de nossos olhos, de nossos sentidos. Não é debalde que o versículo 14 nos apresenta os discípulos desejosos de que o ‘Homem do caminho’(Cristo) permanecesse mais um pouco com eles. Cristo ainda se esconde na torpeza de seus entendimentos, mas a alma anseia enxergá-lo. Por quê? As Escrituras foram entendidas. Cristo, Completo Deus/Homem, o Salvador revela todo o sentido da história e dissipa toda a ideia de que a vida não faz mais sentido (Rm 10.4; Ap 22.13). A fé supera as emoções (Hc 3.17).

O Cristo ressuscitado levou os dois discípulos do diálogo no caminho ao reconhecimento de sua divindade. Conheceram a Jesus caminhante como homem, mas agora o RECONHECERÁ como o Deus/Homem. Louvemos a Deus por aquilo que a Palavra de Deus nos dá acerca do Salvador! Ele não é o derrotado na Cruz. Ele é o Deus Vivo (1Co 15.54,55)!

Uma observação também é válida: Cristo mostrou a Verdade pelas Escrituras, tão logo mostrando que são elas – as Escrituras - o fundamento da nossa fé. Mas a experiência póstuma nos ensina que: Crer que o Cristo é vivo pelas Escrituras é o ato suficiente para a salvação. Ter experiências com o Cristo que vive, fala e se revela é crescer na graça e no conhecimento do Pai. Contudo, as Escrituras é quem vão indicar se a experiência, o dom espiritual, etc. são válidos, pois as Escrituras e sua Verdade devem superar qualquer emoção.

De repente, ele se apresenta. "Jesus aproximou-se e ia com eles", a delicadeza do Verbo é pura poesia. O Mestre começa sua aula magna. Interroga, comenta, expõe as Escrituras. Fala de si mesmo com tamanha humildade que passa despercebido pelos olhos. Mas não pelo coração. Sem alarde, o coração denuncia a santidade que caminha ao lado.

Encanta-me a doce insistência divina em revelar-se para a nossa vagarosa inteligência. O testemunho das mulheres, a comprovação ocular dos outros discípulos que foram ao túmulo, a chama ardendo no peito, tudo isso, mas uma espécie de casca impermeável parece obstruir a claridade da revelação. Ainda bem que ele é luz! Compreendo aqueles dois porque sou exatamente assim. Lento, sou um peregrino a buscar, vasculhar, ler, pesquisar alucinadamente. O peito arde, mas os olhos protestam”. (Alan Brizotti)

Ora, quando as Escrituras antecedem às experiências pessoais, estas responderão às exigências daquela. Estas exigências são o resultado natural da ação das Escrituras no intelecto e coração (se de fato os pudermos separar) do discípulo.

Trata-se de uma exigência progressiva, que por si só já é a verdadeira experiência cristã; ou seja, uma vez entendida a ressurreição, Cristo é visto sempre entre o seu povo em seus corações, mediante olhos da FÉ (Mt 18.20; Jo 20.29).
A experiência das Escrituras obrigam os discípulos a nutrirem um novo tipo de relacionamento com Cristo. Depois de sua ressurreição, a realidade que Jesus traz ao mundo é totalmente outra. Somente será possível o seu relacionamento com os crentes pela fé (Rm 1.17; 5.1; Ef 3.12,17; 2Co 5.7; Gl 3.26; Hb 11.6).
O versículo 31 nos informa que Jesus some; por quê? Ora, uma vez que Jesus deixou claro o cumprimento das Escrituras, será a fé quem guiará os corações na chama da ressurreição! Tem-se por base os relatos do texto sagrado (Rm 10.4; Gl. 3.24)!

Lembremos a narrativa joanina, correlata ao texto lucano. No Evangelho de João (cap. 20) Cristo censura a incredulidade de Tomé, mas não parece tê-la feito a Pedro e João que, igualmente, tiveram que ‘ver para crer’. O texto joanino parece endossar a ideia de que Tomé recebera, agora, tanto o testemunho dos discípulos (João e Pedro), como o do próprio Senhor em aparição no meio deles. Trata-se de um testemunho duplo. A nova condição do Senhor ressuscitado exige também nova condição para ser encontrado (Lc 24.5; Jo 20.17).

Os discípulos chegaram à fé, mas não ainda à fé completa, cujas bases são o testemunho e as Escrituras. E não é diferente com os crentes. É caminhando com Jesus e a exposição de sua Palavra, dia a dia, que temos os nossos olhos abertos. Até, então, os discípulos trataram Jesus como um viajante à sua semelhança. Antes de ter as Escrituras aberta (Lc 24.45) nosso Senhor era mais um no caminho com esses discípulos: perdido, frustrado.
A nova realidade, trazida na ressurreição, exige que o coração que arde com a sua Palavra deve aprender a ler a história com “novos olhos”. Para tal é necessário percorrer todo o caminho que leva ao reconhecimento de Jesus: “a escuta da Palavra que muda coração” (Fábris e Maggioni).

Contudo, os dois caminhantes no relato dos fatos a Jesus, durante o percurso a Emaús, demonstram que tipo de fé nutria no Mestre: “Jesus era o homem de Nazaré, profeta poderoso em obras e palavras [...]” (Lc. 24.19). Mas não era Deus? Trata-se de uma “boa teologia” frustrada. Contudo, é este o fim de boas teologias sem bases bíblicas.

Observe o diálogo de Jesus com os dois. A princípio, Jesus apenas pergunta e eles expõem as suas esperanças teológicas frustradas. Depois, Cristo expõe outra perspectiva teológica: a Ressurreição. É outro modo de ver a vida e o seu vazio de significado. Basta que se observe a trajetória dos discípulos após a conversa com Cristo. Uma vez levados à compreensão das Escrituras, convencidos de que a interpretação que ouvira era de fato coerente, são renovados e se põem a caminho de volta a Jerusalém.
A simultaneidade da descoberta é encantadora. Ao término de todo o movimento textual; isto é, explicação da Palavra, chega-se à visão daquele que sempre estivera ao alcance de seus olhos. São duas verdades de uma mesma realidade. Cristo está com eles, mas não veem. Depois, Cristo não mais lhes está ao alcance dos sentidos, mas pode ser visto. Entenderam que o túmulo vazio representa a plenitude da presença de Jesus no coração dos crentes. Nunca o vazio esteve tão repleto de vida e significado.
Coração e mente funcionam juntos ao som das Palavras de Jesus, naquele caminho. E ao final de toda a exposição, Cristo desaparece, mas o coração e a mente são capazes de regressarem onde tudo começou. E isto é assim, pois, descobrir o Cristo das Escrituras é regressar à origem, é recomeçar e buscar a comunhão com o seu povo. É contar a alegria da vida (Lc 24.52)!
Entender as Escrituras e experimentar da Ressurreição é redescobrir todo o cenário do amor divino. O objetivo de Jesus era o de fazê-los retornar a Jerusalém e reincorporarem o número dos discípulos em seus relatos acerca da visão do Cristo ressuscitado (Lc 24.33,35).

Observemos como Jesus distrai os olhos desses homens voltados para o aqui e os eleva às Verdades Eternas. “Do que vocês estão falando”? “O que dizem as Escrituras, pergunta Jesus”. Trata-se de uma pergunta que implica em convicção não no rumo em que a história parece tomar, mas naquilo que a Palavra diz que tomará.
A realidade que os discípulos enfrentavam apontava para a vitória da morte. Transformara a verdade em mentira. mas é nesse momento que se deve perguntar: o que dizem as Escrituras? Isto é essencial porque a nossa esperança pessoal e teológica frustradas não implica numa cruz que derrota a Cristo ou num túmulo que o impeça de caminhar junto ao crente em angústias ou frustrações.
Não levemos em nossa caminhada os velhos sapatos da incredulidade ou a leitura da vida pelos noticiários da TV. Ao contrário, busquemos um coração que arda em sentido a partir da ressurreição.

Murilo Mendes acertadamente declara o Cristo que viu neste texto. E assim o divide: 1- O Cristo companheiro, sempre interessado na relação. “Ser amigo é repartir a vida.”; 2- Cristo hóspede; 3- Cristo das Escrituras.

Desconhecer as Escrituras é o mesmo que desconhecer a Cristo, pois são elas que dele testificam! (?) Este Cristo no caminho de Emaús é o paradoxo da discrição e penetrante, delicado e severo, humilde e sábio, Sofredor e vitorioso. Conhecemos este poderoso servo sofredor que demonstra no sofrimento seu grandioso poder, que vence em se revelar servo, sendo verdadeiro Rei?
Os discípulos devem, agora, voltar e relatar toda sua experiência no caminho. Mormente, a experiência esteve repleta de significado e embasada pelas Escrituras explicadas pelo próprio Senhor.
Se por quiasmo ou diatribe não o sei, mas não parece ser por acaso que, depois que os discípulos tiveram os seus olhos abertos, Cristo tenha desaparecido! Por quê? “Jesus abriu a mentes deles para entenderem as Escrituras” (v.45). É a Palavra de Deus quem os deverá guiar, agora. As póstumas experiências apenas serão sinais que acompanharão os que crêem (na Palavra).

Conclusão

A Fé Cristã não é cega ou puramente razão (1Pe 3.15). As Escrituras não dicotomizam o homem em animal (puro instinto) e máquina (resultado físico de leis). O homem é um ser que se apercebe enquanto físico-espiritual. Pois o Cristianismo crê que
Ninguém pode ser persuadido a se tornar cristão. Contudo, ignorando as normas racionais, a experiência religiosa é menos bíblica e evangélica. Alguém pó ser persuadido intelectualmente sobre a consistência lógica e verdadeira do conceito evangélico em relação a Deus e ao mundo. De outro lado, esse alguém não precisa ser um crente para compreender as verdades contidas na revelação divina. Uma pessoa convencida intelectualmente da verdade do Evangelho, mas que busca fugir ou adiar sua decisão pessoal quanto à confiança salvadora, está divinamente condenada, porém, a fé pessoal é um dom do Espírito. O Espírito Santo usa a verdade como instrumento de convencimento e persuasão (Pense Biblicamente, J.MacArthur).
Logo, tem-se na narrativa dos dois discípulos no caminho de Emaús um exemplo de que a fé cristã deve controlar tanto a razão como as emoções (1Co 14.14,15,32). É deste modo que se pode ter a mente e o coração aquecidos.


Artigo da Revista: Teologia Brasileira/ Texto de Eliandro da Costa Cordeiro/ Adaptação e considerações de Gabriel Felipe M. Rocha