domingo, 5 de outubro de 2014

A Livre Escolha no Plano da Eleição Divina 2

Livre arbítrio sem liberdade?

       "Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres." (João 8.36) 
       "εαν ουν ο υιος υμας ελευθερωση οντως ελευθεροι εσεσθε" (João 8.36) 
         "Si ergo Filius vos liberaverit, vere liberi eritis." (João 8.36) 

       Assim como Edwards fez uma crucial distinção entre capacidade moral e capacidade natural, também Agostinho, antes dele, fez uma distinção similar. Agostinho abordou o problema dizendo que o homem tem um livre arbítrio, mas falta-lhe liberdade. Na superfície parece uma distinção estranha. Como poderia alguém ter um livre arbítrio e ainda assim não ter liberdade?
       Agostinho estava chegando à mesma coisa que Edwards. O homem decaído não perdeu sua capacidade de fazer escolhas. O pecador ainda é capaz de escolher o que ele quer, ele ainda pode agir de acordo com seus direitos. Ainda assim, por serem seus desejos corruptos, ele não tem a liberdade real daqueles que foram libertos para a justiça. O homem decaído está num sério estado de servidão moral. Esse estado de servidão é chamado de pecado original.
       O pecado original é um assunto difícil que virtualmente toda denominação cristã tem que enfrentar. A queda do homem é ensinada tão claramente na Escritura que não podemos construir uma visão do homem sem levá-la em consideração. Existem uns poucos cristãos, se é que existem, que argumentam que o homem não é decaído. Sem reconhecer que somos decaídos, não podemos reconhecer que somos pecadores. Se não reconhecer que somos pecadores, dificilmente fugiremos para Cristo como nosso Salvador. Admitir a queda é um pré-requisito para vir a Cristo.
       É possível admitir que somos decaídos sem abraçar alguma doutrina de pecado original, mas somente com severas dificuldades no processo. Não é por acaso que quase todo o corpo de Cristo tem formulado alguma doutrina de pecado original.
       Neste ponto, multidões de cristãos discordam. Concordamos que precisamos ter uma doutrina de pecado original, mas aí permanece grande discordância quanto ao conceito de pecado original e sua extensão.
       Vamos começar declarando o que o pecado original não é. O pecado original não é o primeiro pecado. O pecado original não se refere especificamente ao pecado de Adão e Eva. O pecado original refere-se ao resultado do pecado de Adão e Eva. O pecado original é a punição que Deus dá pelo primeiro pecado. É alguma coisa assim: Adão e Eva pecaram. Esse foi o primeiro pecado. Como resultado do pecado deles, a humanidade foi mergulhada em ruína moral. A natureza humana experimentou uma queda moral. As coisas mudaram para nós depois que o primeiro pecado foi cometido. A raça humana tornou-se corrompida. A corrupção subsequente é o que a igreja chama de pecado original.
       O pecado original não é um ato específico de pecado. É uma condição de pecado. O pecado original refere-se a uma natureza de pecado a partir da qual fluem atos pecaminosos. Novamente, nós cometemos atos pecaminosos porque nossa natureza é para pecar. A natureza original do homem não era para pecar mas, depois da queda, sua natureza original mudou. Agora, por causa do pecado original, temos uma natureza decaída e corrompida.
       O homem decaído, como a Bíblia declara, é nascido no pecado. Ele está "debaixo" do pecado. Pela natureza, somos filhos da ira. Não nascemos num estado de inocência.
       John Gerstner uma vez foi convidado a pregar numa igreja presbiteriana local. Ele foi saudado à porta pelos presbíteros da igreja, que lhe explicaram que a ordem de adoração para aquele dia incluía a administração de batismo infantil. O Dr. Gerstner concordou em dirigir o culto. Então um dos presbíteros explicou uma tradição especial da igreja. Ele pediu ao Dr. Gerstner que oferecesse uma rosa branca aos pais de cada bebê antes do batismo. O Dr. Gerstner perguntou sobre o significado da rosa branca. O presbítero respondeu: "Nós oferecemos a rosa branca como símbolo da inocência do bebê perante Deus."
       "Entendo", disse o Dr. Gerstner. "E o que simboliza a água?" Imagine a consternação do presbítero quando tentou explicar o propósito simbólico de lavar o pecado de inocentes bebês. A confusão de sua congregação não é exclusiva dela. Quando reconhecemos que bebês não são culpados de cometer atos específicos de pecado, é fácil saltar para a conclusão de que são, portanto, inocentes. Este é um largo salto teológico sobre uma pilha de espadas. Embora o bebê seja inocente de atos específicos de pecado, ele ainda é culpado pelo pecado original.
       Para entender a visão reformada da predestinação é absolutamente necessário entender a visão reformada do pecado original. Os dois assuntos sustentam-se juntos, ou caem juntos.
       A visão reformada segue o pensamento de Agostinho. Agostinho elucida o estado de Adão antes da queda e o estado da humanidade depois da queda. Antes da queda foram concedidas a Adão duas possibilidades: Ele tinha a capacidade para pecar e a incapacidade para não pecar. A ideia de "incapacidade para não" é um pouco confusa porque, em nossa língua, é uma dupla negativa. A fórmula latina de Agostinho era non posse non peccare. Colocado de outra maneira, significa que, depois da queda, o homem era moralmente incapaz de viver sem pecar. A capacidade de viver sem pecar foi perdida na queda. A incapacidade moral é a essência do que chamamos de pecado original.
       Quando nascemos de novo, nossa servidão ao pecado é aliviada. Depois que somos vivificados em Cristo, novamente temos a capacidade para pecar e a capacidade para não pecar. No céu, teremos a incapacidade para pecar. 
       O homem antes da queda, depois da queda e depois de renascer é capaz de pecar. Antes da queda ele é capaz de não pecar. Essa capacidade, a capacidade de não pecar, é perdida na queda. É restaurada quando a pessoa nasce de novo, e continua no céu. Na criação, o homem não sofreu de incapacidade moral. A incapacidade moral é um resultado da queda. Colocando de outra maneira, antes da queda o homem era capaz de refrear-se de pecar; depois da queda, não é mais capaz de refrear-se de pecar. É isso que chamamos de pecado original. Esta incapacidade moral ou servidão moral é vencida pelo renascimento espiritual. O renascimento libera-nos do pecado original. Antes do renascimento ainda temos um livre arbítrio, mas não temos esta liberação do poder do pecado, que é o que Agostinho chamou de "liberdade".

       A pessoa que é renascida ainda pode pecar. A capacidade de pecar não é removida até que sejamos glorificados no céu. Temos a capacidade de pecar, mas não estamos mais sob a servidão do pecado original. Fomos libertados. Isto, é claro, não quer dizer que agora vivemos vidas perfeitas. Ainda pecamos. Mas não podemos dizer que pecamos por ser isso tudo que nossa natureza decaída tem poder para fazer.

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