terça-feira, 23 de junho de 2015

O Reino, antes de tudo! (Um sermão em Lucas 12. 22-34)


SÍNTESE CRISTÃ

Refletindo sobre a Escritura, a fé e a conduta cristã!


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Por Gabriel Felipe M. Rocha
Junho de 2015/ Belo Horizonte- MG

Introduzindo:

            Desde sua queda no Éden (Gn 3. 1-7), o homem se vê frente à tarefa de buscar, com esforço e trabalho, o próprio pão. Isso, até “voltar para o pó” de onde fora formado (Gn 3.19). Pois, diante do pecado da desobediência, o mesmo recebe do Criador uma imediata sentença, a saber, a sentença da morte (Rm 6.23). Junto dessa, a sentença da submissão à ordem natural (Gn 3. 16-19). O homem, mesmo com uma especial e determinada autoridade e inteligência para transformar seu mundo, passou a ser um subalterno da terra. Ou seja, a criatura que fora criada para um relacionamento santo e abundante com o Eterno, via-se, ali, distante e em inimizade com Deus, recebendo do Criador o justo castigo pela desobediência (ver Rm 3.23).

            A humanidade dominaria a terra, sendo o homem a única criação dotada de uma imagem e de uma semelhança em relação ao Criador (Gn 1.26). Ou seja, como “imagem”, o homem – em todo o seu ser (alma e corpo) – passou a ser uma representação fiel de Deus, possuindo vida proveniente dele, razão e consciência de si próprio e potencial de intimidade com Ele (o que os outros seres criados não tinham). Como “semelhança”, o homem passou a ser uma criatura com autoridade, racionalidade e poder de deliberação, algo que as outras criaturas também não experimentavam e não experimentam ainda hoje, além do instinto próprio. Em suma, dentro da ordenação divina, o homem não teria necessidade alguma, pois todas seriam imediatamente supridas.

            No entanto, com o castigo, o homem passou a ser uma criatura que, mesmo dotada ainda de uma especial estrutura (imagem e semelhança do Criador), provaria, desde então, do trabalho e da morte, como um ser finito e situado em seu mundo. Um ser que, como os outros seres, ia se submeter, agora, ao espaço-tempo de seu mundo, trabalhando incessantemente, envelhecendo e morrendo. Desse modo, surge paralelo ao seu castigo a constante e profunda aspiração pela sua auto-realização. Assim como a sua profunda, essencial e instigante tentativa de evitar a morte, projetando – desde as primeiras comunidades humanas –, meios, sentido, modelos de vida, crenças, normas e condutas (ou seja, a cultura) como uma evidencia de sua constitutiva aspiração pela vida, pela transcendência, pelo infinito e pelo sentido da própria existência. Contudo, é claro, foi vã a busca da humanidade que – afastada espiritualmente e fisicamente do Criador – nunca conseguiu alcançar sua plena realização, felicidade, liberdade, paz e re-ligação com o Criador. Todos esses bens que a vida humana aspira incessantemente são apenas garantidos na ordem do Criador cujos benefícios foram reservados para os que andam em amizade com Ele, não para os inimigos e transgressores. Ou seja, tais benefícios (como a paz, a vida eterna, a ausência de necessidades e carências, a felicidade plena, etc.) são atributos e benefícios próprios do Reino de Deus e não estão disponíveis em sua plenitude ao reino do mundo que, agora, jaz no maligno. Por causa do nosso pecado, fomos um dia afastados do Reino celeste, pois as obras do mal e das trevas não são compatíveis com o Bem e com a Luz. Mesmo projetando para si interessantes religiões, variedades de crenças e pluralidade de deuses, o afastamento continuou como sentença imutável para os inimigos de Deus. O que marca a vida humana, desde os primórdios, portanto, é a busca nunca satisfeita pela paz interior, pela satisfação de suas carências e necessidades e a dinâmica (e sempre preocupante) solicitude pela própria vida. O homem é um ser que, diferente dos outros seres, está sempre preocupado com o amanhã. Ele vive ansioso. Vive trabalhando e ajuntando bens e valores para envelhecer bem e, muitas vezes, sem poder desfrutar de tudo o que juntou ao longo de sua vida temporal e limitada.

            Talvez, você (homem, mulher, jovem, idoso, esteja nesta situação. Está sobrecarregado, aflito, sobremaneira ocupado ajuntando bens, sem tempo para Deus, cansado e, até mesmo, angustiado. Talvez você faz parte daqueles que já provaram da luz e já ouviram a proposta do Evangelho, mas recusaram o convite para o banquete, pois, a solicitude desse vida fez com que você não tivesse tempo, disposição, interesse ou crédito para aceitar o convite do Reino.

            E é falando sobre isso que Jesus nos passa o seu ensino. Antes do contexto de “[...] Buscai, antes de tudo, o seu reino, e estas coisas vos serão acrescentadas [...]” (Lc 12. 31), nota-se que a temática abordada por Jesus sobre as solicitudes da vida humana inicia-se, na verdade, nos versículos de 13 a 21 do mesmo capítulo, quando o Mestre trata da questão da avareza. 

            No versículo 13, um indivíduo entre a multidão apresenta uma causa de nível judicial a Jesus: “ordena que meu irmão reparta comigo a herança”. Jesus tão logo o responde negando ser uma espécie de “juiz” ou “repartidor”, como ele mesmo cita. Contudo, lança um ensinamento sobre a questão da avareza e, logo, discorre a respeito do valor que há na vida humana.

Desenvolvendo:

“Tende cuidado e guardai-vos de toda e qualquer avareza; porque a vida de um homem não consiste na abundancia dos bens que ele possui” (v. 15).

            Aqui reside um ponto interessante a respeito da vida humana e da graça divina. A recomendação de Jesus para se guardar de qualquer avareza, sendo a vida humana algo que não consiste na abundancia de bens que um homem possa adquirir, nos remete a uma verdade: 

A)
            A vida humana, mesmo culpada de seu pecado e mesmo debaixo de uma justa condenação, continua participando da ordem e da determinação divina. Olhando para o mundo hoje e vendo tantas guerras, fomes, pestilências, desastres naturais e maldade, podemos até pensar que Deus abandonou o mundo e o entregou totalmente ao maligno, mas isso não é verdade. Embora o mundo padeça no maligno (1 Jo5. 19) e o príncipe deste mundo tenha ainda poder para tentar, perseguir e atribuir-se de alguma autoridade sobre pessoas, coisas e situações (dentro dos limites impostos pelo próprio Deus), o Eterno é quem está sob o controle. Ele é soberano! Ele cuida de todas as coisas e todas as coisas estão debaixo de seu ilimitado poder (Sl 22. 28; Sl 145. 9-16). E, assim como nenhuma folha cai no chão sem o conhecimento de Deus, a vida humana está debaixo da soberania do mesmo Deus. Todo homem participa da graça comum (Mt 5.45; Rm 1.20). Portanto, para os desesperados, ansiosos, aflitos, avarentos, dispersos, ocupados, cansados, e sobrecarregados, há a provisão de Deus, mas a esperança capaz de saciar o desejo da alma humana é para os que buscarem de todo o coração o Deus Criador e Abençoador em arrependimento e genuína regeneração. Diante da grandeza de Deus, anunciada pelas obras de suas mãos, venha e se lance aos pés do Salvador. Venha a Cristo, pois, de todas as provisões, Ele é a maior provisão de Deus para aquele que ao qual o Pai desejou dar o Reino. Pode ser que Deus tenha misericórdia de sua vida, ó avarento! Pode ser que Deus te perdoe, ó disperso e ocupado com as coisas deste mundo! Pode ser que Deus te alivie e te acrescente, ó aflito e necessitado! Há um Reino cujo convite é este:

“Vinde a mim todos que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei [...]” (Mt 11: 28).

Ao homem cabe buscar a cada dia seu pão, mas Deus é quem supre tudo e todos. Mas há um convite especial e esse convite se resume em crer que Jesus Cristo é a provisão de Deus para a redenção humana, sendo Ele o Filho de Deus e altamente capaz e suficiente para perdoar a nossa dívida diante do Pai e eficientemente capaz de nos oferecer paz, cuidado, descanso e, sobretudo, certeza da salvação. O convite ao Reino é esse: “vinde a mim”. Para entrar e fazer parte do Reino, é preciso passar pela porta principal e essa porta é Cristo.
            Outra verdade que pode ser extraída da resposta de Cristo no v. 15 do capítulo 12 de Lucas é esta: 


B)
            Quando Jesus afirma que a vida humana não consiste na abundancia de bens, Ele está dizendo exatamente que a vida humana é muito mais que isso. Muito mais que bens materiais, mesmo os mais básicos para a sobrevivência humana. E quando Ele (em Mt 11. 28-30) convida a todos os cansados e sobrecarregados para virem a Ele, o Mestre está implicitamente mostrando-nos que o fim para o excesso de preocupação, ocupação e amor ao dinheiro, bens e ao bem-estar só pode ser o cansaço e a sobrecarga, pois, a vida humana é sempre mais que isso. Mesmo conseguindo tudo nesta vida, a sobrecarga continua. Mesmo rodeado de bens, a ausência de paz permanece. Por quê? Porque há em cada ser humano (crente e não crente) uma atualidade infinita de ser que o faz aspirar sempre algo exterior à sua contingência, limitação, finitude e situação. O homem (mesmo em pecado, sem Deus e, portanto, impossibilitado totalmente de “escolher” Deus), deseja profundamente a transcendência, pois, em sua estrutura há uma essencial abertura ao infinito, pois, com o sopro do infinito fora criado. Para a glória de Deus foi criado. Dada à sua depravação e impossibilidade de discernimento espiritual, tem buscado o sentido de sua existência nas coisas contingentes que participam da mesma finitude e situação de seu mundo. O homem, no entanto, não é só seu corpo, mas ele é alma e o aspecto espiritual que também forma sua estrutura pede sempre mais. O homem é, desse modo, um eterno insatisfeito. Porém, só é eterno insatisfeito quando não tem um real encontro com Cristo. 

            Jesus disse:

“Que aproveita o homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma?”. E “Que daria um homem em troca de sua alma?” (Mc 8. 36,37).

            Como disse R. C. Sproul: “Jesus pôs uma etiqueta de preço bem alto no valor da alma humana”. E isso é verdade! Portanto, meus amados, nós não podemos desperdiçar a nossa alma no vazio, num Cristo vazio pregado pelos religiosos, pragmáticos e liberais. Não podemos oferecer nada à nossa alma edificando a nossa existência nos bens, valores e coisas deste mundo. Não podemos desperdiçar a nossa alma buscando o real sentido de nossa existência na satisfação individual. 

            Em 1 João, há uma clara distinção entre “os que são do mundo” e “os que são filhos de Deus” (1Jo 1. 15-17). Nós que cremos em Cristo não podemos agir como os que não crêem, pois os que não crêem nutrem suas esperanças nas coisas terrenas, mas os filhos de Deus nutrem suas esperanças nas coisas que são de cima (Cl 3. 1-4). E isso, definitivamente, implica uma postura diferente para ambos os lados. Os filhos deste mundo são individualistas e amam a si próprios. Trabalham, ajuntam, se apegam, consomem, lucram, mas só pensam em si mesmos. Já os filhos de Deus, segundo a própria conceituação joanina, amam o seu próximo e vive em comunhão, pois têm a Deus como Pai (1 Jo 2. 1-11). Em outras palavras, há uma diferenciação drástica entre o reino das trevas e o Reino da Luz. Em qual você tem sido cidadão? Não será a sua denominação religiosa quem definirá isso, mas, tão logo, suas atitudes e as obras de sua fé. Tem buscado, antes de tudo, o Reino de Deus ou tem depositado suas esperanças nas coisas terrenas?

            Atentem-se! Existe uma condenação! “O que não crê já está julgado”! (Jo 3. 18). Não esperar em Deus e não buscar nele nossos anseios, necessidades e sustento para esta vida é ausência de confiança. Ausência de confiança nada mais é do que ausência de fé. Portanto, quem não crê, está já condenado. Venha você que está cansado e sobrecarregado! Pode ser que Deus te aceite se, com todo o coração, crer e se arrepender. Há em Cristo a esperança! Há em Cristo o sentido para a existência! Há em Cristo o cuidado e o amor do Pai. Há em Cristo uma novidade de vida.
            No capítulo 12 do Evangelho de Lucas, desde o versículo 13 à exortação de Cristo para se buscar, antes de tudo o Reino, há essencialmente duas classes de pessoas:

1) A primeira diz respeito da multidão, representada pelo anônimo homem que falou ao Mestre sobre a divisão da herança. 

            A multidão, desde o ministério de Cristo nesta terra, segue a Jesus, busca a Jesus, mas, geralmente, não quer um compromisso com o Reino. Uma prova disso está nos quatro Evangelhos. Os tais não relatam “uma multidão” integralmente envolvida nos eventos de maior comunhão em todo o relato bíblico neotestamentário. Falo, por exemplo, das missões comissionadas aos discípulos, da Santa Ceia, do dia de Pentecostes, das aparições de Cristo, da assunção de Cristo aos céus, etc. Mas, por outro lado, a multidão estava em meios aos milagres e em meio aos sermões, pois esses ativavam alguns interesses terrenos da mesma. Os milagres eram bons, pois atendiam algumas carências e necessidades entre a multidão. Alguns sermões sobre o Reino de Deus eram interessantes em alguns pontos, pois pareciam pressupor uma reação contra o governo romano estabelecido ali. Podemos lembrar-nos do sermão pregado por Cristo (em João 6. 27-65). Logo após a mesma multidão ter presenciado um milagre de multiplicação de pães e peixes (João 6. 1-14), as palavras posteriores foram bastante indigestas. Não gostaram do sermão! Escandalizaram-se quando Cristo se revelou como o Pão que desceu do céu e que era necessário comer de sua carne e beber de seu sangue. Saíram logo dali. Não conheciam o Cristo “real”, mas aguardavam um revolucionário que atendesse seus anseios imediatos, multiplicando sempre o pão e o peixe, curando e afrontando autoridades. Isso evidencia o total apego pelas coisas terrenas. A esperança estava amplamente fincada no mundo e não no céu. Jesus falava do Reino de Deus. E, para conhecer e participar do reino de Deus, seria (e continua sendo) necessário comer da carne e berber do sangue. Muitos hoje se escandalizam e voltam para os vales para tomarem conta de suas tantas e preocupantes coisas. Comer a carne de Cristo e beber de seu sangue implica total envolvimento com o Cristo. Implica participar de suas aflições e de sua glória. Implica fazer parte de seu corpo. Implica ter uma comunhão real com Ele. Implica estar cheio dele, cheio do Santo Espírito dele. E isso não tem sido para a multidão, mas apenas para os discípulos genuínos. Ser cidadão do Reino implica algumas renúncias e algumas posturas. Contudo, Jesus, nosso Senhor, aliviou toda a nossa carga quando na cruz derramou seu sangue para o perdão nosso. O convite está posto: “Vinde a mim todos que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei”. 

            Aquele anônimo que pede para Cristo julgar uma causa sua (que envolve uma repartição de herança) conheceu o Jesus- juiz e o Jesus partidor, mas não conheceu o Cristo Libertador, Salvador, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da paz, Conselheiro, maravilhoso, etc. Ignorou o Reino, dando primazia à briga pela repartição da herança. Vale lembrar que a multidão só participou de um grande momento do Evangelho do Reino, a saber, a crucificação de Jesus na qual uma multidão brava pedia para que o crucificassem naquela hora. Nem mesmo a boa recepção de Cristo em Jerusalém diminuiu a culpa daquela multidão.

2) A segunda classe de pessoas diz respeito dos discípulos: 

            Citei apouco João 6. 27-65. Note que em 6. 66 está registrado que muitos discípulos abandonam a Cristo diante do duro sermão. A partir dali já não eram mais discípulos e passaram para o grupo da multidão. Discípulo segue. Simplesmente! Discípulo deixa tudo para seguir (Mt 19.29). 

            O Discípulo é aquele que, se preciso for, deixa casa, pais, irmão e irmã, mulher e filhos por amor de Cristo. Isso parece muito duro! É uma proposta duríssima e até soa um pouco injusta. “Como assim? Deixar casa, pais, esposa, filhos...”. Pois é! Se for preciso, essa é a proposta na qual o verdadeiro discípulo está disposto a cumprir. Logicamente, Deus não nos tem pedido isso. Muito pelo contrário, a Bíblia está cheia de admoestações a respeito dos cuidados que devemos ter com a nossa família, nossa casa e, até mesmo, nossas riquezas, bens, valores, etc. A proposta do Evangelho não é uma vida marcada por um tipo de platonismo, totalmente desligada das coisas terrenas. Isso se chama alienação e Evangelho não implica em alienação. Mas a força da expressão de Cristo é exatamente essa: se necessário for, o discípulo deve deixar tudo e seguir. Isso fala também de: a carreira do discípulo (algo que é proposto a todo crente sem exceção) implica na primazia ao reino de Deus. O que é dar primazia ao Reino de Deus? É valorizar acima de tudo os interesses do Reino. Lembremo-nos das palavras de Jesus sobre os dois principais mandamentos (Mt 22. 38). Ambos pressupõem o cumprimento de toda a Lei, certo? Pois então, veja que estão neles os interesses centrais do Reino. Primeiro: amar a Deus acima de todas as coisas. Isso implicará em uma série de posturas como:

1) Guardar os mandamentos (Jo 15. 10-15);
2) Santificação;
3) Vida de oração e leitura bíblica;
4) Vida de testemunho e real adesão ao Evangelho;
5) Vida frutificada para a glória de Deus.

Segundo: amar o próximo como a si mesmo. E isso, igualmente, implica numa série de posturas que, também, condizem com a proposta do Reino de Deus, a saber:

1) Vida que evidencia os frutos do Espírito Santo;
2) Vida piedosa;
3) Vida que compartilha;
4) Vida que acolhe;
5) Vida que evangeliza e ganha almas para Cristo.


            Está aí, portanto, o cumprimento de toda a justiça! Está aí o Reino de Deus como a prioridade na vida do verdadeiro discípulo de Cristo. O cidadão do Reino ama o seu Senhor e Rei acima de tudo, pois está convencido pelo Espírito Santo de que Jesus Cristo é Filho do Deus Altíssimo, Senhor e Rei. O cidadão do Reino ama o seu Deus e ama as suas leis. O cidadão do Reino, enquanto (ainda) habitante deste mundo, sabe que o seu Deus provê tudo e não anda sobremaneira preocupado a ponto de se afastar da luz. Suas preocupações são logo depositadas em oração e súplicas aos pés do Rei. Em Deus ele espera. Em Deus ele também sabe padecer de algumas faltas. Como disse Paulo: “Tanto sei estar humilhado como também ser honrado, de tudo e em todas as circunstâncias [...] posso todas as coisas naquele que me fortalece”, (Fp 4. 12,13). O cidadão do Reino vê o outro como um “outro eu”, por isso é cheio de compaixão e misericórdia. O cidadão do Reino se coloca tão logo no lugar do outro. O cidadão do Reino prega a Palavra, ama as almas perdidas e busca trazê-las para a Luz. Eis o Reino estabelecido na vida daquele que ama o seu Deus acima de todas as coisas e ama o próximo como a si mesmo. Uma nação santa se estabelece através da vida do real discípulo de Jesus Cristo.

            Logo após Jesus falar sobre a avareza, partindo da resposta que deu àquele homem entre a multidão, solícito pela sua herança, discorre para a importância de se valorizar primeiro o Reino, antes de todas as outras coisas.

            Note que no versículo 22 Jesus dirige-se aos seus discípulos. Há uma verdade a ser considerada neste ponto: a admoestação para se priorizar o Reino é dada aos discípulos à parte da multidão. Por quê? Porque, como falamos agora a pouco, a multidão não quer decisivamente um compromisso com o Reino, pois não quer assumir um compromisso com o Cristo. Mas o discípulo verdadeiro sim. Por isso, a advertência para se valorizar o reino pertence aos que foram chamados para o Reino. Valorizar o Reino é questão que envolve, sobretudo, fé e, sabemos que a fé não pertence a todos. De igual modo, nós sabemos que a falta de fé faz com que o homem permaneça em sua própria condenação. E a vida sem fé é evidenciada, principalmente, pela falta de confiança em Deus para todas as coisas.

            Do versículo 22 ao versículo 27, algumas considerações podem ser tiradas:

1) A preocupação com as riquezas deste mundo é, portanto, sinal de incredulidade: “Ora, se Deus veste assim a erva que hoje está no campo e amanhã é lançada no forno, quanto mais se tratando de vós, homens de pequena fé!” (v. 28). A exacerbada solicitude pela vida supõe falta de confiança em Deus, falta de fé na Palavra de Deus e tais modos revelam a vida daquele que não atendeu o convite para o Reino. Há uma condenação!

2) A preocupação com as coisas desta vida podem implicar em infidelidade a Deus, pois o crente fiel sabe que Deus cuida dos seus e, portanto, segue a Cristo e anseia por um relacionamento com seu Deus. Pelo contrário, o solícito se afasta de Deus quando se volta para suas preocupações e ocupações terrenas, esquecendo-se de Deus e de seu próximo. Ou seja, ele descumpre os dois importantes mandamentos ensinados por Cristo. Portanto, o Reino não o pertence. O mundo sim o pertence:

“Não ameis o mundo nem o que no mundo há. Se alguém ama o mundo, o amor do Pai não está nele. Porque tudo o que há no mundo, a concupiscência da carne e a concupiscência dos olhos e a soberba da vida, não é do Pai, mas do mundo. E o mundo passa, e a sua concupiscência; mas aquele que faz a vontade de Deus permanece para sempre” (1 Jo 3. 15-17).

3) O excesso de preocupação e a falta de zelo pelas coisas mais importantes, como o cuidado da própria alma e a missão cristã (que cabe a todo crente sem exceção no Evangelho), produz uma vida estática e improdutiva. Por que improdutiva? Porque, embora os solícitos pela vida trabalhem e produzem muito, nada acrescentam para a vida eterna e seus dias são dias que, naturalmente, mais se aproximam para a morte e para a condenação. O ansioso, conforme diz Cristo, não pode acrescentar nenhum côvado ou nenhuma hora a mais para sua vida (v. 25). Pelo contrário, o discípulo que valoriza o Reino, acrescenta à sua vida, além dos cuidados e provisões de Deus (Sl 145. 9-16), a abundancia de vida eterna, sendo essa a finalidade do Reino. Como disse nosso Senhor: 

“Trabalhai não pela comida que perece, mas pela que subsiste para a vida eterna, a qual o Filho do Homem vos dará; porque Deus, o Pai, o confirmou com seu selo” (Jo 6. 27).

4) A excessiva solicitude pela vida pode fazer com que o crente caia em diversas tentações, pecados, ruínas e perdições. Pois, como Paulo adverte a Timóteo, “os que querem ser ricos caem em tentação e em laço e em muitas concupiscências loucas e nocivas que submergem os homens na perdição e ruína, Porque o amor do dinheiro é a raiz de toda espécie de males; e nessa cobiça alguns se desviaram da fé e se transpassaram a si mesmo com muitas dores” (1Tm 6. 9,10). 

5) A exagerada solicitude pela vida, além de significar ausência de fé e confiança e evidenciar um preocupante amor ao mundo, é também uma espécie de rebelião. Por quê? Porque a vida humana tem muito mais valor que todos os exemplos dados por Cristo nesta passagem bíblica. A erva, o corvo, os lírios e o próprio corpo corruptível do homem não são maiores que a própria vida humana e desta cabe a Deus cuidar e prover. O homem insensato não confia na provisão divina e evidencia desse modo a sua inimizade com o Criador. Evidencia sua rebeldia. Evidencia sua auto-suficiência. 

            Mas, embora muitas coisas sejam importantes para a nossa existência neste mundo, para nossa saúde, bem estar, etc., a maior importância está na busca pelo Reino. A busca (ou a primazia) pelo Reino implica em:

1) Buscar a Deus e depositar nele toda a confiança;
2) Amar a Deus sobre todas as coisas, amando e seguindo seus mandamentos;
3) Se fiel em tudo;
4) Crescer em graça e conhecimento e dar muitos frutos;
5) Procurar o caminho da santidade;
6) Realizar a obra do Pai e proclamar o Evangelho
7) Servir o seu próximo;
8) Aguardar em fidelidade e serviço a volta de Jesus Cristo.


           Valorizar, antes de tudo, o Reino de Deus, não supõe jamais o descaso com as outras coisas. Em todo país ou reino, a família, o trabalho, os filhos, a saúde, o bem-estar, e boa educação e formação acadêmica, o entretenimento e tantas outras coisas são importantes para a qualidade do país ou do reino. No Reino de Deus é semelhante. Cuidando e valorizando as coisas de Deus, todas as outras estão já incluídas. Porém, com uma considerável diferença: enquanto aqui, corremos atrás da boa saúde, da boa educação, do bom trabalho, da comida, da bebida, das roupas, do lazer, etc. Mas no reino celestial seremos satisfeitos em tudo, pois receberemos com Cristo a Herança eterna.

            Na carta aos colossenses, Paulo fala com os santos que foram chamados para a salvação para que esses dêem graças ao Pai que os fizeram “idôneos à parte que vos cabe da herança dos santos na luz” (Cl 1. 12). De fato, há uma herança eterna! Se há uma herança eterna prometida para os que estão em Cristo, há – também para esta vida – a certeza do cuidado e da provisão de Deus. Não importa o muito ou o pouco, Deus cuida daqueles que fazem parte do Reino. Citei agora a carta aos colossenses. Pois bem, veja que Paulo registra tal esperança pela herança dos santos, mas antes os convida a participarem efetivamente do Reino que a eles também foi oferecido por Deus (Cl 1. 9-11). O convite ao reino é um convite para uma nova postura em Cristo! O Reino pertence aos que foram perdoados e remidos pelo sangue de Cristo. Vir ao Reino implica numa vida santa, honesta, fortalecida e firmada em Cristo, digna, exemplar e em constante crescimento para a glória de Deus. O Reino é para os que estão com Cristo e Cristo é o sentido de nossa existência.

            Cristo é o sentido! É o perdão. Ele é a reconciliação pelo seu sangue com o Criador. Ele é a esperança nossa para vencer a morte. Ele venceu a nossa morte! Ele é a esperança da vida eterna! Seu Reino é eterno! Ele é quem faz com o homem creia que há um Deus que cuida de tudo e que, antes de tudo, há um Reino. Se há um Reino, há uma “nova cultura”, a saber, a cultura do Reino. Existindo uma “nova cultura”, há uma nova postura quando – por fé – se adere à mensagem do Reino. A saber, a mensagem do santo Evangelho.
            O convite, então, continua posto:

“Vinde a mim todos que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei [...]” (Mt 11: 28).
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